PUBLICIDADE

Candidatos à Prefeitura de SP miram periferia, buscando voto jovem e ‘ideologicamente volátil’

Com estratégias distintas, candidatos visam populações periféricas em planos de governo, horário eleitoral e discurso sobre origens pobres. Estudo obtido pelo ‘Estadão’ mostra que áreas passaram a concentrar, a partir de 2016, locais de votação com ‘maior volatilidade’ de voto dentro do espectro político

PUBLICIDADE

Foto do author Karina Ferreira
Foto do author Pedro Lima

Com acenos explícitos ao eleitor da periferia, os candidatos à Prefeitura de São Paulo têm avançado em estratégias para se fazerem conhecidos entre as populações que vivem nesses territórios. Nos planos de governo, Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB) empatam em primeiro lugar, falando em “periferia” ou qualificando algo como “periférico” 16 vezes cada. Pablo Marçal (PRTB) usa o termo 11 vezes, enquanto Tabata Amaral (PSB) menciona em nove ocasiões e José Luiz Datena (PSDB), em seis.

O termo – que faz referência às áreas mais afastadas do centro da cidade e é o endereço das faixas de menor renda – é utilizado por todos os cinco candidatos melhor posicionados nas pesquisas de intenção de voto, que também apresentam as histórias pessoais e os vínculos com os lugares de origem, ou ainda o endereço em que vivem atualmente, como forma de criar identificação com as populações periféricas.

Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, embora tenham estratégias distintas para alcançar o eleitorado periférico, os candidatos seguem as mesmas motivações para criar seus planos de ação. Tratam-se de localidades que, historicamente, foram braço de lutas sociais, mas que, desde 2016, passaram a ter um perfil mais conservador; possuem um eleitorado mais jovem, devido à baixa expectativa de vida; e concentram eleitores que mais mudam de espectro político de uma eleição para outra – ou seja, onde o jogo “está aberto”, tanto à direita quanto à esquerda.

Estratégias dos candidatos em SP

PUBLICIDADE

No plano de governo de Nunes, o termo “periferia” aparece associado a propostas de inclusão social e econômica. O atual prefeito, que chegou a citar o grupo de rap Racionais Mc’s e dizer que “a quebrada venceu” no lançamento de sua candidatura, propõe a criação de centros de inovação tecnológica focados nessas regiões, buscando integrar as periferias ao desenvolvimento da cidade. Nunes também fala em valorizar os artistas e produtores periféricos e em colocar mais guardas e equipamentos modernizados da Guarda Civil Metropolitana nas periferias. Na estreia da propaganda eleitoral gratuita, Nunes se autodenominou “cria da periferia”, enquanto caminhava pela rua em que cresceu.

O prefeito nasceu em Parque Santo Antônio, bairro localizado no extremo-sul da capital paulista, mas hoje vive em Interlagos, endereço nobre da capital. Para a antropóloga e pesquisadora Isabela Kalil, para além dos acenos midiáticos, Nunes tem um “portfólio” de benfeitorias para a população periférica feito durante sua gestão na Prefeitura, como a tarifa zero de ônibus aos domingos. Além disso, o prefeito também conta com uma maior capilaridade de vereadores que estão nos territórios e que recebem o apoio dele.

Ricardo Nunes visitou obras no córrego Guaratiba em maio 2024; prefeito de São Paulo ampliou agendas de obras antes das eleições. Foto: Divulgação/Secom/Prefeitura de São Paulo

Já Boulos, na estreia da propaganda eleitoral obrigatória, recebeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em sua casa no Campo Limpo, zona sul de São Paulo – seu endereço há mais de 20 anos. O vídeo, que começa na rua com os carros da comitiva chegando na residência, mostra o cenário típico de bairros populares da capital, da mesma forma como o interior da casa do deputado. Boulos também tem ligação com a população mais pobre por sua atuação como coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

No plano de governo, o candidato fala das periferias em diversas propostas, de programas de habitação à mais atenção médica nas localidades. Para a antropóloga, o que fica evidente na estratégia do candidato é se dirigir não apenas a eleitores, mas a seus vizinhos, informando ele vive por escolha própria e se importa com a periferia. Interlocutores da campanha do deputado afirmaram ao Estadão que a escolha de Marta Suplicy (PT) como vice na chapa não se deu apenas para cumprir acordos firmados em 2022 entre os dois partidos.

Publicidade

Parte das fichas apostadas no nome de Marta, para aproveitar sua popularidade na periferia paulistana, foi para aumentar a “capilaridade” do psolista nessas regiões. Mesmo Boulos residindo em um bairro periférico, já era considerado pela campanha que ele tinha dificuldades para se consolidar entre os eleitores desses locais. O Estadão apurou que dentro do PSOL, inclusive, algumas pessoas já se arrependem da atuação da petista não ter sido “mais forte” até o momento.

O candidato Guilherme Boulos (PSOL), ao lado de sua vice, Marta Suplicy (PT), em caminhada no centro de Campo Limpo. Foto: Werther Santana/Estadão

No plano de governo de Marçal, o foco está na descentralização econômica e social das periferias, regiões que já chegou a se referir como “campos de concentração que muitos romantizam como favela”. No discurso, Marçal é o menino sem recursos que “prosperou” e conseguiu deixar a região pobre, por mérito próprio, para hoje faturar milhões. Segundo ele, o segredo estaria em educação emocional, “destravar códigos” da mente e outras técnicas do mundo coaching e de autoajuda. Nos bastidores da campanha do empresário, a própria vice, a policial militar Antônia de Jesus (PRTB), foi escolhida por retratar uma mulher periférica para fortalecer o vínculo de Pablo com essas regiões.

“Marçal tenta trazer promessas nessa dimensão da prosperidade, enquanto Boulos está mais numa área da atuação do Estado, da justiça social”, disse Isabela Kalil. Para ela, que pontua que as populações periféricas são mais jovens, pela expectativa de vida ser menor do que em bairros ricos – com saneamento básico e mais equipamentos urbanos, por exemplo –, Marçal está avançando mais porque consegue se comunicar com esse público jovem.

“A aproximação com o contexto do funk, o contexto cultural, com essa perspectiva de oferecer uma chave para a prosperidade para o eleitor mais pobre”, além do uso de símbolos como boné, o linguajar adaptado e ter uma forte atuação nas redes sociais, explicam o desempenho entre esse eleitorado.

Marçal também diz ter projetos sociais voltados para população de baixa renda em países da África. Foto: Tiago Queiroz/Estad

PUBLICIDADE

Tabata também tem origem periférica. Ela nasceu na Vila Missionária, bairro da periferia de São Paulo – essa é inclusive a primeira frase de seu plano de governo. Além de gravar episódios de uma websérie na casa em que cresceu, a candidata também lançou sua pré-campanha no sobrado da família.

É recorrente em seu discurso as origens pobres, assim como no dos outros candidatos, mas com a diferença de que a educação seria a responsável por transformar a vida da hoje deputada federal. Para Kalil, a principal estratégia dela para entrar nos territórios tem sido dialogar com as mães periféricas, sobretudo levando a bandeira da educação.

Lançamento da pré-campanha a prefeita de São Paulo da deputada federal Tabata Amaral (PSB), quando o apresentador José Luiz Datena (PSDB) ainda era cotado para ser seu vice. Foto: Werther Santana/Estadão

Datena, muito conhecido entre as camadas mais populares pelos anos apresentando programas policiais de grande audiência, usa o termo “periferia” sobretudo em referência às desigualdades sociais. O apresentador menciona o alto custo de vida nas regiões como uma das motivações para sua candidatura, propondo ações para destinar mais recursos às populações de baixa renda. Sem decolar nas pesquisas de intenção de voto, o candidato prometeu continuar “indo a todos os cantos da cidade, sobretudo às periferias”.

Publicidade

Regiões com alta ‘volatilidade de voto’

Além de formar a camada mais numerosa da sociedade, a população de baixa renda – predominante nas periferias – também pode ser estratégica em outro aspecto para os candidatos. Segundo o estudo conduzido pelo pesquisador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e diretor da Ipespe Analítica, Vinícius Alves, obtido com exclusividade pelo Estadão, nas áreas com maior índice de pobreza há uma tendência de que os eleitores estejam menos convictos sobre o campo ideológico que vão escolher votar. Ou seja, há mais probabilidade para um candidato “virar votos” na periferia, do que em endereços mais ricos na capital paulista, segundo a pesquisa.

O estudo acompanhou o resultado das eleições municipais para vereadores (mais representativa no espectro político) entre 2008 e 2020 nos bairros da zona sul, calculando o “grau de volatilidade” dos locais de votação, isto é, avaliando uma migração conjunta das preferências do eleitorado no espectro ideológico entre eleições consecutivas – como um grande bloco que votava na esquerda em uma eleição e passou a votar na direita no pleito seguinte, por exemplo.

Em 2012, esses “pontos de alta volatilidade” de voto estavam concentrados nos bairros de maior renda da zona sul de São Paulo, mas em 2016 eles passam a se espalhar em direção ao extremo da periferia, onde se concentram famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. “Se antes havia locais de votação com preferências mais estabelecidas, agora o terreno está aberto para disputa”, analisou Alves.

Embora o estudo não seja conclusivo sobre o que impulsionou a mudança de comportamento, Alves destaca a entrada do primeiro autodeclarado “outsider” da política paulistana em 2016, que elegeu João Doria, pelo PSDB, com a máxima de “não ser um político”, mas um “gestor”. Mesmo eleito por um partido tradicional, a nova roupagem apresentada pelo então candidato bagunçou o tabuleiro de articulações, explicou o pesquisador.

A dinâmica se repete agora com Marçal na disputa. A um mês das eleições, com pequenas variações numéricas, o empresário, o atual prefeito e Boulos seguem empatados tecnicamente nas principais pesquisas de intenção de voto. Dentro do segmento do eleitor que recebe até dois salários mínimos nos últimos levantamentos do Datafolha, os três também oscilam positivamente ou dentro da margem de erro, que é de cinco pontos porcentuais no segmento, ou crescem além da margem.

Segundo o Datafolha do início de setembro, Nunes tem 28% de intenção de voto entre os mais pobres, ante 19% de Boulos e 17% de Marçal. Também é o prefeito, entre os três, quem mais pode perder eleitores. Apenas 52% de seu eleitorado está totalmente decidido a votar nele, enquanto Boulos tem 75% de decididos e Marçal, 70%.

A última pesquisa do instituto, publicada nesta quinta-feira, 12, mostrou uma queda de Marçal entre os eleitores de renda mais baixa: o ex-coach oscilou quatro pontos para baixo – a margem de erro do segmento é de cinco pontos porcentuais. Os únicos que oscilaram para cima, dentro da margem, foram Boulos, com dois pontos, e Tabata, com três. Nunes continua sendo o preferido dos mais pobres, numericamente com 27%, mas que, dentro da margem, empata com Boulos.

Publicidade

Ou seja, comparando o levantamento do início da campanha oficial, com o mais recente, o único candidato que realmente cresceu foi Boulos, com sete pontos porcentuais. Datena fez o movimento contrário, passando de 18% para 9% no segmento.

“Há muita literatura na ciência política sobre comportamento eleitoral que destaca que o eleitor com mais recursos, entre eles tempo e dinheiro, tende a ser mais bem informado, consumir mais sobre política, enquanto o eleitor de menor renda começa a conhecer os candidatos agora, com a largada oficial da campanha, com a propaganda eleitoral na TV”, explicou Alves.

Para o pesquisador, com o avanço da campanha e dos programas eleitorais, a tendência é que o sucesso ou o fracasso das estratégias de cada candidato mirando as periferias paulistanas fique mais evidente nas próximas pesquisas de intenção de voto.

Siga o ‘Estadão’ nas redes sociais