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Opinião|Campanhas eleitorais em SP e no Rio foram opostas e degradantes para a democracia

Em São Paulo, houve uma hipercampanha que parecia ter debates todos os dias, pautada por Pablo Marçal; no Rio, uma hipocampanha, com o esvaziamento promovido por Eduardo Paes

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Foto do author Carlos Andreazza

Duas jornadas opostas absolutamente, as de São Paulo e Rio de Janeiro, ambas — cada uma a seu modo, diversas as intensidades — degradantes para a porção da democracia cuja saúde se manifesta no voto.

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Em São Paulo, a hipercampanha eleitoral. Processo exaustivo, para exaurimento (sobretudo) da atividade política. A impressão de que havia debates todos os dias; que duravam os dias todos. O mesmo debate, todos os dias, os dias todos. O mesmo debate, sem São Paulo.

Hipercampanha que impôs a superexposição — o cansaço, a fadiga da imagem — dos candidatos. Também o superaquecimento.

Pablo Marçal, do PRTB, nos bastidores do debate da TV Globo, no último dia 3.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Não se arremessa cadeira sem uma linguagem prévia que normalize o recurso ao lançamento. A violência verbal que resulta; que tem lastro na desobediência às regras do jogo republicano. O vale-tudo em São Paulo foi produto originado na desconsideração da legitimidade do outro para concorrer.

Em São Paulo, sem São Paulo, a hipercampanha teve tema único: Pablo Marçal, assunto e pauteiro ao mesmo tempo, aquele em função de cujas vaidades-irresponsabilidades os outros, quase sempre reagindo, organizavam-se (desorganizavam-se).

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Se foi morno — que maravilha! — o debate da TV Globo, morno foi, enquanto foi, porque Marçal quis. Ainda assim, Guilherme Boulos mostraria exame toxicológico para se provar limpo. E preso na linguagem de Marçal.

Não será diferente nesse período — até o fim da votação, às 17h de domingo — em que, não havendo mais propaganda em rádio e televisão, seus adversários, apreensivos e impotentes, esperam pelo coelho final que o candidato-punição, sem qualquer escrúpulo, tirará da cartola. Tudo é possível. Até o último segundo.

Na sexta, por exemplo, Marçal declarou apoio ao impeachment de Alexandre de Moraes e — gravíssimo — publicou laudo médico vagabundo segundo o qual Boulos, em 2021, testara positivo para uso de cocaína e fora encaminhado a uma emergência psiquiátrica. Abjeto.

A farsa circulou poderosamente no zap-profundo como verdadeira e cumpriu sua missão, suplantando os efeitos do desmentido. Uma imputação cuja pilantragem teve o dom de constranger até mesmo bolsonaristas.

Marçal é protegido pela lei eleitoral, que explora, elaborada (corretamente) para garantir — ao extremo — o direito de votar e ser votado.

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Concluí este artigo na tarde de sábado. Haverá ainda uma última onda marçalista bravateira ou mesmo criminosa? Mais de uma?

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Capturado nessa trama de expectativas e medos, tomando os caixotes todos, mordendo todas as iscas, está o prefeito — candidato à reeleição — Ricardo Nunes, cuja onipresença expressa a armadilha que ele mesmo preparou contra si. Não é Marçal, creia, o objeto desta análise, mas ele, Nunes. Rádio e TV ajudam, ajudaram a que o prefeito chegasse competitivo até aqui, mas não fazem milagre.

Alcaide desde a morte de Bruno Covas, cometeu o erro — produto da incompetência — de bater às portas do período eleitoral ainda como um desconhecido, obrigado, pois, a aceitar todos os convites que lhe dessem chance de aparecer.

Vidraça todo governante é. Vidraça de superfície ampliada e em ampliação diária — só Nunes. Que teve o infortúnio das circunstâncias: o de precisar ser visto, botar a cara, tendo um adversário desleal como Pablo Marçal; o encontro quase que permanente com Marçal, que o chama — pegando no nervo — de vereador.

Superexposição, a do prefeito, que lhe evidenciou a insegurança, espécie de síndrome do impostor: Nunes, como se comunicando o sentimento de se considerar um acidente, herdeiro não merecedor, nunca esteve confortável no papel de incumbente, desprovido da autoridade — da confiança — para fazer escolhas e medir melhor onde e como se popularizar.

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Eduardo Paes (PSD) e Alexandre Ramagem (PL) no debate da TV Globo, no último dia 3.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

No Rio de Janeiro, o inverso: a campanha eleitoral ausente — uma espécie de hipocampanha. Quem chegasse desavisado à cidade agora precisaria de tempo e alguma atenção até talvez desconfiar de que os cariocas escolherão prefeito.

Foram somente dois debates. Jornada de esvaziamento tocada pelo candidato à reeleição Eduardo Paes. Nem um plebiscito sobre sua administração a coisa esteve próxima de parecer. Um extremo que, por inação, também desqualifica a atividade política.

Alcaide pela terceira vez, concorrendo ao quarto mandato, Paes é uma espécie de prefeito-imperador, para muitos a própria encarnação da prefeitura do Rio, lugar-imaginário desde o qual, reinando, exercitaria a autoridade segundo a qual, ao não aceitar participar de mais debates, motivo para a realização dos encontros inexistiria.

Não que o tema da campanha no município fosse ele ou sua gestão. Seria, se permitisse. Não foi. Não deu. Não houve.

Não houve campanha, não houve temas. Nada colou. Lula, apoiador do prefeito, foi presença de fundo, se presença foi. A nacionalização da disputa pretendida pelo desafiante Alexandre Ramagem serviu para que crescesse materializando os votos bolsonaristas — até encontrar um teto, tudo o mais constante, incapaz de ameaçar a reeleição de Paes no primeiro turno.

A título de breve ensaio especulativo sobre como seria a campanha no Rio caso houvesse um Marçal para provocar o prefeito, uma certeza apenas: encontrar-se-iam pouquíssimo, se se encontrassem.

Opinião por Carlos Andreazza

Andreazza foi colunista do jornal O Globo e âncora da Rádio CBN Rio, além de ter colaborado com a Rádio BandNews e com o Grupo Jovem Pan. Formado em jornalismo pela PUC-Rio, escreve às segundas e sextas.

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