É muito constrangedora a mobilização da República em defesa de Alexandre de Moraes, como se o ministro fosse o Estado de Direito. Paralisou-se sessão da Corte constitucional para desagravos, inclusive do procurador-geral, que talvez, um dia, precisasse investigar o evento.
O tribunal deu as mãos a Moraes e se uniu. Fechou-se mesmo, como se quem faz a crítica estivesse operando contra a democracia. Como se o ministro fosse a democracia; como se o governo Lula fosse a democracia. Não se pode criticar porque assim se trabalharia pela volta de Bolsonaro ao Planalto ou por sua reabilitação eleitoral. Trata-se de argumento covarde, safado, cretino, canalha. De que criticar autoritarismo na gestão de processos seria fazer serviço para outro fim que não a defesa da legalidade.
Joga a favor de Bolsonaro e do golpismo quem toca os processos concentrando os poderes de delegado, promotor e juiz. Joga a favor de Bolsonaro, alimentando seus bate-paus, quem simula atos formais para esquentar-chancelar decisões cautelares graves.
Há um governo de turno. Há um Supremo atuante e expandido. É preciso fiscalizá-los. O jornalismo está sujeito a erros. Mas não pode ter medo. O certo é o certo. Esse episódio revelado pela Folha de S.Paulo merece atenção e aprofundamento. Não basta o ministro dizer que está tudo bem e que não há gravidade nas conversas reveladas. Não dá para deixar passar como se coisa irrelevante – fofoca etc.
Uma das formas de desqualificar-desviar o debate é defender as práticas do ministro rebatendo espantalhos e problematizando questões que não estão em xeque. Por exemplo: não vi ninguém sério, respeitável, comparando o episódio com os procedimentos da Lava Jato. Não vi, mas vi um monte de gente, inclusive ministro do Supremo, tomando a palavra para proclamar que esse caso nada tem nada a ver com a Lava Jato. E daí?
Não tem mesmo, inclusive pela ausência absoluta de Ministério Público nos trânsitos. Não tem nada a ver com a Lava Jato e, ao mesmo tempo, é grave. Não se precisa de Lava Jato como parâmetro. Basta a história dos inquéritos – onipresentes e infinitos – tocados por Moraes desde 2019. Não nos esqueçamos das censuras, inclusive à revista Crusoé. O problema está nesses inquéritos viciados. É óbvio que se chegaria ao que ora se revela.
Não que a Lava Jato não deva ser lembrada. No seguinte sentido: nós precisamos ter aprendido alguma coisa com a Lava Jato, com a Vaza-Jato; com as consequências de se corromper o devido processo legal.
Cuidarei detalhadamente do que verdadeiramente importa neste evento – inclusive do poder de polícia do TSE, da instrumentalização do poder de polícia – no artigo de amanhã.
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