O governo Lula tem contabilidade própria e, pois, rombo fiscal menor. Menor e gigantesco. Fantasioso e gigantesco. Cada um com seu resultado primário — votou o Parlamento. O Tesouro tem o dele. O Banco Central, o dele. E, então, os dinheiros privados esquecidos em bancos viram receita e passam a servir à conta da meta fiscal. O Tesouro decidiu.
Nenhuma surpresa: Fazenda desesperada por grana opera com goela criativa.
O grande plano arrecadador para 2024 falhou. E nem entraremos na discussão conceitual sobre haver objetivo arrecadatório via condenação administrativa... o voto de qualidade no Carf, que produziria receitas de cerca de R$ 55 bilhões, terá levantado menos de R$ 90 milhões até aqui.
Fazenda desesperada por grana já limpara, com efeito fiscal em 2023, cerca de R$ 25 bilhões de PIS/Pasep. Receita primária, claro. Uma das obras da esquecida PEC da Transição, aquela por meio da qual Fernando Haddad pôde brincar de fiscalista rigoroso.
O dinheiro acabou. Fabrique-se. Não há arrecadação recordista capaz de fazer frente à arrecadação que faz aumentar o gasto obrigatório — uma das razões por que nascera morto o menino arcabouço. Se a arrecadação recordista não alcança o Orçamento de ficção: crie-se.
A previsibilidade do artista não turva o impacto da arte nem torna vulgar a sua exposição repetida: a apropriação, pelo Tesouro, de bilhões esquecidos em instituições financeiras para cumprir meta fiscal, essa raspa no tacho alheio sendo transformada em receita primária — mesmo que não computada pelo BC como receita primária.
Cada um com seu resultado primário.
A intenção — fachada — é virtuosa, quando o governo Lula se preocupa com a Lei de Responsabilidade Fiscal: compensar as perdas com a desoneração da folha de pagamentos. Para respeitar a LRF, a Fazenda vilipendia o corpo do arcabouço fiscal, a regra natimorta que criara, segundo a qual o cálculo sobre a meta cabe ao Banco Central. Cabia.
Para respeitar uma lei, afronta-se outra.
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O caráter primo da arte exige a contemplação insistida: o governo raspando dinheiros alheios esquecidos — cerca de R$ 8.5 bilhões — e os malocando no Tesouro como receita primária, para maquiar o buraco fiscal em expansão, à revelia do que dispõe a metodologia do BC.
Cada um com seu resultado primário. E nem entraremos na discussão conceitual sobre pegar dinheiros dos outros...
O próprio Haddad correndo para se explicar e tentar convencer Arthur Lira sobre a higidez do troço. José Guimarães, líder do governo na Câmara, acabaria relator do bicho. Com sucesso. Agora é o Tesouro a determinar o que seja receita primária — o que não deixará de ser forma de resolver a preocupação com o cumprimento da meta fiscal.
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