Reflitamos sobre o significado de presidentes da Câmara eleitos por aclamação. Foi assim com Arthur Lira. Será assim com Hugo Motta, tudo o mais constante.
A constante: a operação do orçamento secreto, engenharia absolutista sob domínio dos donos do Parlamento. Operação que veio para ficar. Que já ficou. Que cala bocas. A atividade política aterrada pela imposição de um Estado imperial de poder materializado na gestão autoritária de emendas parlamentares. Esse será o legado de Lira.
Aclamado o rolo-compressor. Abastardado o Legislativo que subordina a sua natureza de representação – de contraditório – às ordens dos senhores das emendas. Esse será o legado de Lira.
Deputados e mesmo senadores, sobretudo oportunistas, rebaixados a vereadores federais, autorizados a ser padrinhos de emendas pelos patronos do Congresso. Em troca de inexistirem. Garantidos os seus dinheiros, aquinhoadas as suas paróquias, retribuem com silêncio-aval às urgências artificiais, à supressão de comissões, ao desmonte dos mecanismos de obstrução, à depauperação do debate.
Legisladores que aprovam projetos sem lhes conhecer os textos, em cujos corpos são metidos contrabandos – tudo empurrado aos 48 do segundo tempo, para votação remota, deserto o plenário.
O repórter Daniel Weterman ilustrou a prática. Votava-se, na última terça, projeto sobre dívida dos Estados quando de repente, noite já avançada, malocou-se jabuti de interesse do governo, a pedido do governo – que não é vítima. Puxadinho para que a Fazenda possa gastar em 2025 mesmo se não aprovada a LDO. Quantos deputados sabiam do que se tratava? É o preço.
Se quer as suas emendas, vereador federal, vote como mandado. Esse é o legado de Lira.
Será assim na próxima semana. A agenda vai andar. Veremos a multiplicação dos votos pró-governo, até ontem inexistentes. Dino liberou o pagamentos das emendas e o Planalto começou a pagar os bilhões. A Lei Complementar 210 ignora as determinações do STF e formaliza as bases para a prosperidade do orçamento secreto no ano que vem. Todos fingirão que o ministro fez grandes exigências e que a portaria do governo disciplinou-moralizou algo.
Dino liberou. A insatisfação era porque o governo não pagava. Pagando, ajeita-se.
O deputado Júlio Arcoverde, presidente da CMO, aquele que definira como “direito adquirido” da classe legisladora a forma corrente de administração de fundos orçamentários, explicou tudo: “Tem que começar a pagar [as emendas] porque o povo que faz obra está desempregado. O importante é liberar o que está bloqueado este ano, e todo mundo se adapta para o que vem”.
O importante está acontecendo. E todo mundo se adaptará no ano que vem. Inclusive o Supremo.
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