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Opinião | O caso do batom: entre a empresa golpista de Bolsonaro e a gestão processual autoritária de Moraes

A condenação de Débora Rodrigues dos Santos é tão absurda que vira símbolo do vício. A vitória sobre a depressão em que nos afundamos depende da compreensão de que vivemos entre as inaceitáveis máquinas do ex-presidente e do ministro do STF

Foto do author Carlos Andreazza

Por que o caso do batom gera tanta repercussão? Por que tamanha indignação na sociedade, afinal não sendo Débora a única entre os agentes do 8 de janeiro a ter apontada contra si punição desproporcional aos atos praticados?

Porque é absurdo. Tão absurdo que vira símbolo do vício. Expressão de que algo corre à margem da Lei na administração dos pesos entre os nossos heróis togados salvadores da pátria.

Débora Rodrigues Santos é acusada de pichar "Perdeu, mané" com batom vermelho na estátua da Justiça na Praça dos Três Poderes Foto: Joedson Alves/Agência Brasil

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Porque a condenação de Débora Rodrigues dos Santos, se confirmados os 14 anos, encarna o esculacho. Ode – pela corte constitucional do delegado Xandão – a este tempo em que as nuances não têm vez. A barbaridade do caso berrando por comparação àquilo que empreenderam, ora em evidência, os verdadeiros golpistas – Bolsonaro e seus associados.

Porque a tal dosimetria sobre esta mulher é – para citar o exercício de humildade judicial de Fux – “exacerbada”. Beira o justiçamento – e as pessoas entendem o troço assim e se colocam no lugar do outro.

Porque a pena projetada é injusta. Obviamente injusta. Uma injustiça – de percepção fácil – executada pela Justiça. Sentimento que tem o condão de impor revisão em série de sanções, daí por que tão na defensiva estiveram o acusador Moraes e seus assistentes.

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A saúde do Brasil depende da compreensão de que coexistem, inaceitáveis ambas, a empresa golpista de Jair Bolsonaro e a gestão processual autoritária de Alexandre de Moraes Foto: Gustavo Moreno/STF E Taba Benedicto/ Estadão

Todo mundo sabe que Débora foi denunciada por múltiplos crimes. Não apenas por aqueles relacionados à depredação da estátua da Justiça. Essa é a questão. O julgamento à baciada, o STF indiferente à individualização das condutas. O Supremo indiferente ao cidadão – para lembrar de novo o humilde Fux. Insustentável sendo pregar que aquela mulher tenha tentado dar um golpe e abolir o estado democrático de direito.

Se você acredita na existência do movimento golpista, razão maior não haverá a que cobre a condução equilibrada dos processos mantidos sob os onipresentes e infinitos inquéritos xandônicos. Razão maior não havendo – porque já ficou tarde, porque esse gênio não voltará à lâmpada – a que fiscalize e denuncie a tocada justiceira dos bichos até aqui.

A delação de Cid não caberia – alô, anulador-geral Dias Toffoli! – na categoria “pau de arara do século XXI”? São vários os furos, não poucas as censuras. Né, ministra Carmen Lucia, a do “cala a boca já morreu”?

Uma coleção de arreganhos, que planta precedentes e franqueia brechas, em defesa da nossa liberdade. Que a rapaziada admite por conveniência. Porque contra o capeta. Porque nada se aprendeu com a Lava Jato e com a maneira como os ventos mudam sobretudo no Supremo – o que significa que, da mesma forma que reabilitados hoje vão os corruptos, amanhã poderão ser os golpistas.

Papo reto: a saúde do Brasil – a vitória sobre a depressão em que nos afundamos – depende da compreensão de que coexistem, inaceitáveis ambas, a empresa golpista de Jair Bolsonaro e a gestão processual autoritária de Alexandre de Moraes.

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Opinião por Carlos Andreazza

Andreazza foi colunista do jornal O Globo e âncora da Rádio CBN Rio, além de ter colaborado com a Rádio BandNews e com o Grupo Jovem Pan. Formado em jornalismo pela PUC-Rio, escreve às segundas e sextas.

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