RIO – O Ministério Público do Rio instaurou dois procedimentos para investigar suspeitas de “funcionários fantasmas” e possível prática de “rachadinha” no gabinete do vereador licenciado Carlos Bolsonaro (PSC) na Câmara Municipal.
As investigações correm sob sigilo em duas esferas: a criminal, que está nas mãos do procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, com auxílio do Grupo de Atribuição Originária Criminal (Gaocrim); e a cível, que apura eventual prática de improbidade administrativa.
Suspeitas de irregularidades no gabinete do filho “02” do presidente Jair Bolsonaro foram noticiadas após o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), irmão de Carlos, ser alvo de investigação por supostos crimes cometidos quando era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
O Estado, por exemplo, revelou o caso de Claudionor Gerbatim de Lima e Márcio da Silva Gerbatim. Eles são parentes de Fabrício Queiroz, pivô da investigação envolvendo Flávio e seu antigo gabinete que está suspensa por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli. Os Gerbatim também trabalharam no gabinete de Carlos na Câmara e não têm registros de frequência no Legislativo municipal.
A chamada “rachadinha” é quando o servidor repassa parte ou totalidade de seu salário para o político que o contratou. Confirmada pelo Estado, a informação sobre a instauração dos procedimentos abertos pelo Ministério Público estadual foi revelada pela revista Época.
A investigação envolvendo Flávio – que apura as práticas de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa – foi suspensa após um recurso de sua defesa ao Supremo. Toffoli determinou em julho a paralisação de todos os processos judiciais que tramitam no País em que houve compartilhamento de dados da Receita Federal, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e do Banco Central com o Ministério Público sem prévia autorização judicial, ou que foram instaurados sem a supervisão da Justiça.
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Os procedimentos que apuram práticas no gabinete de Carlos, contudo, não têm relação com dados de movimentações financeiras fornecidos por órgãos de controle – e, portanto, podem ser tocados normalmente pelo Ministério Público.
Em abril, a Justiça autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Flávio e de outras 85 pessoas e de nove empresas ligadas a ele. Durante o período abarcado pela quebra dos sigilos – janeiro de 2007 a dezembro de 2018 –, cinco funcionários de Flávio também passaram pelo gabinete do pai na Câmara dos Deputados ou por seu escritório de apoio no Rio, quando ele era deputado federal. E dois – os Gerbatim – pelo gabinete de Carlos na Câmara Municipal.
A prática de trocar assessores entre si é comum na família Bolsonaro. Há, até, diversos relatos de familiares nomeados em mais de um gabinete. A maioria é ligada a uma das ex-mulheres do presidente, Ana Cristina Valle, e mora em Resende, no sul do Rio.
Carlos pediu licença não remunerada da Câmara Municipal anteontem para tratar de assuntos particulares. Ele se elegeu pela primeira vez em 2000, aos 17 anos. Na ocasião, tornou-se o vereador mais jovem da história da cidade.
Na atual legislatura, o vereador é autor ou coautor de cinco projetos de lei, e seu nome aparece em outros oito que tramitam pela Casa desde 2011.
Desses, três foram propostos exclusivamente por Carlos: o que prevê multa para pichadores, o que cria o Programa Escola Sem Partido e o que veda a distribuição, a exposição e a divulgação de material didático “contendo orientações sobre a diversidade sexual” nos estabelecimentos de ensino fundamental e de educação infantil. Em seu site, o vereador denomina materiais desse tipo como “kit gay”.
Procurado para comentar as investigações, o vereador não se pronunciou. Ele acompanha o pai no hospital Vila Nova Star, em São Paulo, onde o presidente se recupera de uma cirurgia realizada no domingo para correção de uma hérnia incisional.
No Twitter, Carlos disse que voltará para sua casa “em breve”. “Solicitei licença não remunerada para acompanhar meu pai no hospital, impedido regimentalmente de mencionar o número de dias que gostaria. Hoje, é um grande dia! Boas notícias! Em breve volto para casa”, escreveu.
Câmara do Rio muda padrão de resposta via Lei de Acesso à Informação
Muitos dos casos revelados pela imprensa sobre supostos funcionários fantasmas, incluindo o dos dois ex-assessores ligados a Queiroz no gabinete de Carlos Bolsonaro, foram descobertos por meio da Lei de Acesso à Informação. A Câmara do Rio, no entanto, mudou o padrão de resposta a esse tipo de solicitação — sobre emissão de crachás e registros de entrada na Casa — depois que as reportagens foram publicadas.
Quando o Estado revelou que os Gerbatim não tinham emitido crachá ou entrado como visitantes na Câmara, o órgão respondeu com uma tabela elucidativa, na qual constavam claramente as informações solicitadas. Informou ainda, quando procurada via assessoria de imprensa, que essas eram as únicas formas de um servidor comprovar frequência.
Depois, porém, em outro pedido parecido, a Câmara mudou seu posicionamento. Informou que os crachás não funcionam como comprovantes de frequência e alegou não ter informações sobre os registros de acesso à Casa. Finalizou a resposta dizendo que a frequência é atestada pelas Folhas de Frequência Mensal — que, no caso de funcionários de gabinetes de vereadores, são assinadas pelos próprios parlamentares.
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Conhecido pela avidez no uso das redes sociais, Carlos Bolsonaro causou fortes reações após escrever no Twitter na noite de segunda-feira que “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”. A declaração foi criticada pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, e a cúpula do Congresso.
Para entender: A prática da ‘rachadinha’
A suspeita da prática de “rachadinha” pesa sobre Flávio Bolsonaro e, agora, sobre Carlos Bolsonaro. Na investigação sobre Flávio, a Promotoria do Rio diz haver indícios de “organização criminosa” no gabinete do então deputado estadual na Assembleia voltada para cometer crime de peculato (desvio de dinheiro público).
O grupo, segundo o MP, seria dividido em três núcleos. O primeiro nomeava, para cargos de confiança, pessoas para repassar parte dos vencimentos. O segundo recolhia e distribuía o dinheiro. O terceiro era formado pelos nomeados, que repassariam parte do salário aos superiores. /COLABORARAM MARCIO DOLZAN e PAULA REVERBEL
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