Carlos Brickmann, o humor do jornalismo levado a sério

Repórter, editor e diretor, foi um dos melhores de sua geração; sua biografia profissional também proporcionaria uma história divertida

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Foto do author Rolf Kuntz
Atualização:

Carlinhos Brickmann, um dos grandes jornalistas de sua geração, apareceu na redação da Folha de São Paulo com menos de 18 anos, em busca de emprego, e reagiu mal quando o mandaram procurar o secretário. Ele queria falar com um chefe. Mas o secretário era um chefe – o sujeito responsável pela primeira página, pela escolha das notícias mais importantes e pela coordenação do fechamento diário do jornal. Nem isso o jovem candidato sabia. Mas foi contratado, recebeu as primeiras instruções e em pouco tempo passou a cuidar, quase sozinho, da seção internacional, selecionando o noticiário, preparando o texto final de cada matéria, escolhendo as ilustrações e definindo como seria o desenho das páginas.

Além de mostrar uma capacidade enorme de trabalho, o novato logo exibiu um talento incomum para produzir textos muito bem elaborados, enxutos, fluentes e divertidos, às vezes temperados com um humor negro nem sempre conveniente, mas valorizado naquela redação.

O jornalista Carlos Brickmann: uma biografia repleta de excelentes capítulos sobre reportagem, avaliação de conteúdo, edição e qualidade de texto, mas também de humor e boa disposição. Foto: Arquivo pessoal

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Carlinhos Brickmann mostrou-se eficiente como editor de Nacional, mas sem ficar preso na redação. Editores iam normalmente para a rua, para coberturas, e saíam para reportagens em Brasília, no Rio de Janeiro, onde ainda funcionam órgãos federais. Iam também, com frequência, a outros Estados e também ao exterior. A combinação das funções de editor, repórter e articulista era comum.

Cobertura e edição eram atividades especialmente complicadas. A ditadura militar, instalada em 1964, impunha censura, recolhia jornais das bancas quando algo inconveniente para o regime era impresso, e a repressão aos jornalistas, como a outros cidadãos mal comportados, podia ser perigosa. O Estadão e o JT passaram a conviver com a presença de censores na redação, empenhados em ler todo o material antes do processamento gráfico. Escrever textos elaborados especialmente para furar esse controle era um desafio e uma diversão. Carlinhos Brickmann se empenhou tanto nessa tarefa quanto na produção de reportagens e notícias indesejáveis para os ocupantes do poder.

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Em décadas de trabalho, Brickmann viajou muito e, embora competente como editor, sempre se destacou especialmente como repórter. Também nessa atividade mostrou seu coleguismo e sua generosidade. Um repórter competitivo e empenhado na produção de material exclusivo também pode ser solidário e colaborar com os colegas.

Momentos especiais de solidariedade ocorreram na cobertura de uma eleição presidencial num país sul-americano. Ele jamais contou essa história. Se alguém a conheceu, foi pela narração de uma terceira pessoa. Durante essa cobertura, um colega de outro jornal, com graves problemas pessoais, foi incapaz de realizar seu trabalho. Carlinhos Brickmann passou a produzir duas coberturas. Além de escrever sua reportagem, redigia uma segunda, assinada com o nome desse colega e transmitida ao jornal concorrente. Outro companheiro, testemunha inevitável dessa história, contou-a discretamente e o assunto permaneceu escondido. Carlinhos, aparentemente, nunca soube da indiscrição.

A biografia profissional de Carlos Brickmann proporcionaria material a um bom manual de jornalismo, com excelentes capítulos sobre reportagem, avaliação de conteúdo, edição e qualidade de texto. Mas seria também uma história divertida, cheia do humor e da boa disposição de uma figura tão rigorosa em seus padrões pessoais quanto compreensiva e generosa. O nome da coluna mantida nos últimos anos, Chumbo Gordo, é uma demonstração desse bom espírito. Carlinhos nunca reagiu mal à sua imagem de grandalhão gordo. Divertiu-se, quando Maurício de Souza introduziu em seus quadrinhos um elefante chamado Ernâni – uma homenagem divertida a Carlos Ernâni Brickmann, um sujeito, afinal, grande por fora e ainda maior por dentro.

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