Carlinhos Brickmann, um dos grandes jornalistas de sua geração, apareceu na redação da Folha de São Paulo com menos de 18 anos, em busca de emprego, e reagiu mal quando o mandaram procurar o secretário. Ele queria falar com um chefe. Mas o secretário era um chefe – o sujeito responsável pela primeira página, pela escolha das notícias mais importantes e pela coordenação do fechamento diário do jornal. Nem isso o jovem candidato sabia. Mas foi contratado, recebeu as primeiras instruções e em pouco tempo passou a cuidar, quase sozinho, da seção internacional, selecionando o noticiário, preparando o texto final de cada matéria, escolhendo as ilustrações e definindo como seria o desenho das páginas.
Além de mostrar uma capacidade enorme de trabalho, o novato logo exibiu um talento incomum para produzir textos muito bem elaborados, enxutos, fluentes e divertidos, às vezes temperados com um humor negro nem sempre conveniente, mas valorizado naquela redação.
Carlinhos Brickmann mostrou-se eficiente como editor de Nacional, mas sem ficar preso na redação. Editores iam normalmente para a rua, para coberturas, e saíam para reportagens em Brasília, no Rio de Janeiro, onde ainda funcionam órgãos federais. Iam também, com frequência, a outros Estados e também ao exterior. A combinação das funções de editor, repórter e articulista era comum.
Cobertura e edição eram atividades especialmente complicadas. A ditadura militar, instalada em 1964, impunha censura, recolhia jornais das bancas quando algo inconveniente para o regime era impresso, e a repressão aos jornalistas, como a outros cidadãos mal comportados, podia ser perigosa. O Estadão e o JT passaram a conviver com a presença de censores na redação, empenhados em ler todo o material antes do processamento gráfico. Escrever textos elaborados especialmente para furar esse controle era um desafio e uma diversão. Carlinhos Brickmann se empenhou tanto nessa tarefa quanto na produção de reportagens e notícias indesejáveis para os ocupantes do poder.
Em décadas de trabalho, Brickmann viajou muito e, embora competente como editor, sempre se destacou especialmente como repórter. Também nessa atividade mostrou seu coleguismo e sua generosidade. Um repórter competitivo e empenhado na produção de material exclusivo também pode ser solidário e colaborar com os colegas.
Momentos especiais de solidariedade ocorreram na cobertura de uma eleição presidencial num país sul-americano. Ele jamais contou essa história. Se alguém a conheceu, foi pela narração de uma terceira pessoa. Durante essa cobertura, um colega de outro jornal, com graves problemas pessoais, foi incapaz de realizar seu trabalho. Carlinhos Brickmann passou a produzir duas coberturas. Além de escrever sua reportagem, redigia uma segunda, assinada com o nome desse colega e transmitida ao jornal concorrente. Outro companheiro, testemunha inevitável dessa história, contou-a discretamente e o assunto permaneceu escondido. Carlinhos, aparentemente, nunca soube da indiscrição.
A biografia profissional de Carlos Brickmann proporcionaria material a um bom manual de jornalismo, com excelentes capítulos sobre reportagem, avaliação de conteúdo, edição e qualidade de texto. Mas seria também uma história divertida, cheia do humor e da boa disposição de uma figura tão rigorosa em seus padrões pessoais quanto compreensiva e generosa. O nome da coluna mantida nos últimos anos, Chumbo Gordo, é uma demonstração desse bom espírito. Carlinhos nunca reagiu mal à sua imagem de grandalhão gordo. Divertiu-se, quando Maurício de Souza introduziu em seus quadrinhos um elefante chamado Ernâni – uma homenagem divertida a Carlos Ernâni Brickmann, um sujeito, afinal, grande por fora e ainda maior por dentro.
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