A importância do PSDB para o processo político e econômico do Brasil é indiscutível -- pelo menos para quem não está preso às amarras partidárias ou peca pelo desconhecimento. No governo Fernando Henrique, ainda hoje sua principal estrela, os tucanos foram fundamentais para a estabilização econômica, ajudando a consolidar o regime democrático que ainda se ressentia do período autoritário.
Contudo, seus dirigentes e sua base social não engoliram a derrota para o PT, em 2002. Nem compreenderam as razões do sucesso de Lula. Se o petista, de fato, se favoreceu da estabilidade do Real, também é verdade que aprofundou o ajuste fiscal, aumentando superávits primários, compreendeu a importância da inclusão social e se comunicou com o País.
Tampouco superaram a mordacidade lulista da "herança maldita", e morderam a isca do "nós contra eles". Daí, optaram pela oposição ferrenha, como se fossem o PT de antes. Partido propositivo, mergulhou, então, numa profunda crise de projeto com perda de quadros e capacidade de elaboração. Já não compreendia o mundo e a sociedade que se transformavam - a maior virtude do governo FHC. Voltaram-se à rinha eleitoral.
O ocaso do malufismo, no início do século, deixou direita e a extrema-direita órfãs, espaço que o oportunismo eleitoral do PSDB buscou ocupar às custas da identidade social-democrata. Ficou superficial; amarrou-se a projetos pessoais, como o de Aécio Neves, por exemplo. No processo, radicalizou no liberalismo desde sempre refutado por FHC. À mercê do surgimento de seu próprio messias - o "Macri", o "Macron", o "Biden" --, revelou-se a profunda crise de identidade.
As divisões de grupos e sentimentos do mundo, o vazio programático, pariram direções incapazes de amalgamar correntes, fazendo do PSDB a federação de interesses regionais, do poder de governadores, das idiossincrasias das bancadas, atraídas pelos governos que se sucederam a Dilma Rousseff. De algum modo, voltaram ao MDB.
O fiasco da prévia não foi apenas em razão das falhas de um aplicativo de votação. O "bug" será pomo de discórdia, que servirá para o aprofundamento da crise, das divisões internas ou de uma cisão definitiva. Nessa vertigem, o PSDB perde a chance de expressar alternativa política e preencher o espaço "nem-nem". Sem política, torna-se presa fácil da antipolítica de Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, com os quais alguns de seus membros já namoram.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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