Nicolás Maduro perdeu não só as eleições presidenciais na Venezuela, como também mais uma janela de oportunidade para encontrar um ticket de saída não violento em direção a uma transição democrática com garantias.
Se tivesse aceitado a derrota sofrida no último domingo, 28, surpreenderia a todos com uma imagem de democrata e pavimentaria o terreno para uma saída pactuada com a oposição. Seria muito difícil que o novo governo eleito viesse a retaliar o governo anterior pelos potenciais crimes cometidos.
Em seu livro seminal Democracy and Market, Adam Przeworski argumenta que experiências de transições democráticas pacíficas e com garantias de não retaliação são mais comuns quando “reformadores”, do lado autoritário, e “moderados”, do lado democrático, são as forças mais fortes no jogo político.
Para tanto, os “reformadores” teriam de ser capazes de obter a concordância dos “linha-dura” ou neutralizá-los, e os “moderados” de controlar os “radicais”. Essas condições foram alcançadas nos casos de transições democráticas bem-sucedidas ocorridas, por exemplo, no Brasil e na África do Sul.
Entretanto, quando os “linha-dura”, do lado autoritário, são a força política preponderante e controlam o processo de liberalização, como parece ser o caso do governo de Nicolás Maduro na Venezuela, é muito pouco provável que observem ganhos decorrentes de acordos de transição pactuadas com os reformadores, mesmo que esses sejam as forças políticas mais fortes do lado democrático.
O mais esperado, de acordo com Przeworski, é que o regime autoritário prevaleça seguido de algumas concessões políticas aos moderados para que esses não se aliem aos radicais e continuem apostando em uma saída pacífica para o conflito. Regimes autocráticos também podem terminar por colapso, quando são exauridas as chances de saídas pactuadas ou quando o regime perde abruptamente a sua legitimidade.
A declaração da vitória eleitoral de Maduro pelo Conselho Nacional Eleitoral sem a completa transparência no processo de contagem e de escrutínio das atas de votação é um claro sinal de que o seu governo apostou na manutenção do regime autocrático por meio de mais uma farsa eleitoral.
A percepção generalizada será a de que a eleição na Venezuela foi mais uma vez roubada, como já havia sido em 2018.
Uma série de organizações de observadores internacionais não foram permitidas pelo governo Maduro de fazer o escrutínio do processo. Portanto, será muito difícil que ocorra uma verificação independente dos resultados. Mesmo o Carter Center, uma das poucas organizações internacionais que foram autorizadas a acompanhar as eleições na Venezuela, anunciou a retirada de seus funcionários do país por questões de segurança e considerou que as eleições “não podem ser consideradas democráticas”. Centenas de manifestantes já foram presos, incluindo um dos líderes da oposição, Freddy Superlano, 11 pessoas já foram mortas e mais de 100 foram feridas nos protestos.
A eleição de Maduro muito provavelmente não será percebida como livre nem justa e não alcançará legitimidade pela comunidade internacional. Até agora, apenas os suspeitos usuais; ou seja, presidentes de perfil autocrata que também chegaram ou foram reconduzidos ao poder de forma suspeita (como Putin, na Rússia; Xi Jinping, na China; Díaz-Canel, em Cuba; Ortega/Murillo na Nicarágua; e Castro em Honduras), reconheceram a vitória de Maduro.
Como era de se esperar, o MST e o PT também se alinharam com que existe de mais antidemocrático no mundo ao reconhecer a vitória à reeleição de seu aliado. O sempre hesitante Presidente Lula, com suas eternas conexões suspeitas com os governos autocráticos de esquerda de Chávez e Maduro, também deu sinais de que “não tem nada de grave, nada de anormal” com o processo eleitoral e se a oposição tiver alguma dúvida que entre com um recurso.
Sem a presença de forças “reformadoras” relevantes capazes de fazer frente a Maduro e seus aliados autocratas linha-dura, seu regime não titubeou e preferiu aprofundar o autoritarismo ao invés de buscar uma transição pacífica para a democracia. Não contavam, entretanto, que a oposição estivesse conectada com a maioria da população venezuelana já extremamente cansada com o governo. Protestos violentos tendem a escalar levando a desagregação do regime. Ao invés de uma transição democrática pacífica, o governo autocrático de Maduro pode acabar por colapso.