Janelas de oportunidade que mudam o curso da História não se abrem todos os dias. O mais intrigante é que, mesmo sendo raras, a grande maioria dessas oportunidades tende a ser desperdiçada e sociedades parecem ficar aprisionadas a equilíbrios insatisfatórios.
Um elemento crucial e necessário para que janelas de oportunidade sejam efetivamente aproveitadas é a presença de uma liderança. Não me refiro necessariamente a lideranças políticas carismáticas, mas a líderes capazes de compreender a realidade do que se passa no País, galvanizar energias, superar problemas de coordenação e, acima de tudo, ter autoridade moral na proposição de soluções que visem a resolução de impasses políticos e institucionais.
Não muito tempo atrás, a grande maioria dos brasileiros acreditava que as elites políticas, burocráticas e empresariais sempre encontrariam maneiras de escapar de malfeitos. Entretanto, desde o julgamento do mensalão, vimos organizações de controle se fortalecerem e saírem do controle dos seus criadores (políticos), especialmente a partir de 2016 com o entendimento da maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) de acatar a execução provisória da pena após a condenação em segunda instância e não somente após o trânsito em julgado. Ocorreu um alinhamento entre o comportamento dessas organizações de controle e a preferência da maioria da população de intolerância à corrupção e de combate à impunidade.
Diante da evidente polarização atual de preferências no plenário do Supremo em relação à interpretação constitucional da execução da pena, existe um risco real de reversão de expectativas. O que está em jogo é o dilema entre eficiência no combate à impunidade e à corrupção versus garantias a direitos individuais de condenados.
A Figura 1 (abaixo) tenta capturar a interação estratégica entre os onze membros da Suprema Corte diante dos seus comportamentos pregressos e/ou preferências já reveladas. Cada ‘jogador’ possui pontos ideais em relação ao início da execução da pena do condenado: X0 representa o status quo (segunda instância), X1 (transitado em julgado) e X2 (Superior Tribunal de Justiça-STJ). Assume-se que os Ministros agem de forma racional e, portanto, maximizam ganhos quando a decisão da política em questão se aproxima do seu ponto de preferência e diminuem ganhos quando se distancia.
Embora ainda falte colher o voto de quatro ministros, é possível inferir a formação de dois blocos polares, com cinco ministros (Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Carmem Lúcia) votando pela manutenção do status quo, segunda instância, e cinco ministros (Marco Aurélio, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Melo ) votando pela mudança da política de início do cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado.
O presidente do STF, Dias Toffoli, que terá a oportunidade de votar por último, já revelou informalmente uma posição intermediária, quando o condenado iniciaria o cumprimento da sua pena após condenação em terceiro grau (STJ). Esta posição mediana (pivô) não é a ideal para nenhum dos dois grupos polares, mas substancialmente melhor do que se alguma dessas posições polarizadas for perdedora. Diante do risco de derrota, é racional esperar a migração de votos de membros de um ou dos dois polos para a posição mediana. O plenário do STF também pode ter o entendimento de que algumas das posições já estariam contidas no voto mediano do Toffoli, configurando assim uma maioria.
Um novo equilíbrio, portanto, pode emergir dessa interação estratégica com a vitória da posição pivô. Avizinha-se assim uma janela de oportunidade para que Dias Toffoli possa vir a fazer História. Será que ele vai aproveitar?
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.