Com o término da Operação Lava Jato, tem sido cada vez mais comum escutar interpretações de que o Brasil estaria fadado a retrocessos institucionais na luta contra a corrupção. A percepção generalizada é como se estivesse sendo gestado um “pacto pela impunidade” e que necessariamente o Brasil estaria retrocedendo aos patamares de corrupção pré Lava Jato.
“Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não chegou no poder”. Essa é uma das máximas mais certeiras de Millôr Fernandes.
Entretanto, quando a oposição já foi governo e deixou “rabo preso” e o governo de plantão tem um passado para lá de desabonador, é esperado não apenas que a agenda de combate à corrupção adormeça, como também identificar iniciativas unificadas entre o governo e a oposição que tenham como objetivo enfraquecer a atuação das organizações de controle no combate à corrupção. Ambos teriam a ganhar com isso.
Um bom exemplo foi a recente aprovação simbólica e de forma relâmpago, no dia 12/6, do pedido de urgência do Projeto de Lei 4.372/2016, que proíbe a validação de delações premiadas de investigados que estejam presos, de autoria do deputado federal Wadih Damous, do PT do Rio de Janeiro.
Como esperado, o pedido de urgência foi amplamente subscrito por líderes e parlamentares pertencentes a partidos da coalizão do atual governo, como também de deputados de partidos da oposição.
A justificativa para o PL seria preservar o caráter voluntário da delação que supostamente estaria comprometido diante da prisão do acusado. Esquecem, entretanto, que a delação premiada se reveste de uma contrapartida à defesa que beneficiaria o colaborador em troca da delação, sem a qual provavelmente enfrentaria penas judiciais mais gravosas pelo crime cometido.
Com a aprovação da urgência, o PL 4.372/2016 pode agora ser votado diretamente no Plenário da Câmara dos Deputados, sem ter que antes passar por análises e discussões com a sociedade e grupos de interesse interessados nas comissões permanentes da Casa. E o que é pior, sem um relatório que sirva de base para orientar os parlamentares no plenário.
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Para além da Operação Lava Jato, foram muitos os avanços institucionais alcançados nos últimos dez anos no Brasil, como a Lei da Ficha Limpa, o pacote anticorrupção, lei da leniência, a Lei das Estatais (recentemente referendada pelo STF), a lei da delação premiada etc. O risco de ser pego em comportamentos desviantes aumentou, bem como cresceram os custos políticos, reputacionais e judiciais dos potenciais envolvidos.
Dois exemplos recentes são alvissareiros. O primeiro foi a anulação do leilão para a importação de arroz após fortes suspeitas de irregularidades no processo e potencial conflito de interesses. Tal escândalo levou à demissão do Secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, e abertura de investigação pela Polícia Federal. O segundo foi o indiciamento pela Polícia Federal do atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), por suspeita de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Por enquanto, o presidente Lula decidiu mantê-lo no cargo alegando que seu ministro tem “o direito de provar que é inocente”.
Em qualquer país do mundo, e o Brasil não é diferente, a luta contra a corrupção não é linear. É comum observar fluxos e contrafluxos. O mais importante é perceber a linha de tendência diante de ações concretas que venham consolidar ou enfraquecer institucionalmente o combate à corrupção.
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