Quando maiorias devem governar e quando elas devem ser controladas? Essa é a pergunta que os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt se propõem a responder no artigo “When should the majority rule?” que acaba de ser publicado no Journal of Democracy.
Contrariando a interpretação dominante, que assume que “o sucesso duradouro de democracias necessariamente requer limites significativos à própria democracia”, Levitsky e Ziblatt argumentam que a atuação de controles que limitam ações de governos majoritários pode tanto fortalecer a democracia liberal, como também minar o seu funcionamento.
Dependendo da dose, portanto, organizações contramajoritárias podem ser remédio (indispensáveis) ou veneno (indefensáveis). Controles efetivos a maiorias eventuais podem, por um lado, proteger direitos fundamentais e incentivar o bom governo, como, por outro lado, subverter a democracia ao não permitir que maiorias eleitas governem.
Se o presidente eleito é constitucionalmente fraco, mas seu partido é majoritário no legislativo, a governabilidade não estaria comprometida. Mas interesses minoritários poderiam vir a estar sob risco. Instituições contramajoritárias seriam assim essenciais para impedir eventuais excessos decorrentes da unificação de interesses entre executivo e legislativo.
Já em presidencialismos multipartidários, como o brasileiro, presidentes eleitos quase nunca disfrutam de maiorias partidárias no legislativo. Para governar, o executivo precisa ser forte ao concentrar poderes e recursos capazes de atrair apoios de uma maioria de partidos. Diante da incompetência dessa maioria legislativa de controlar um executivo poderoso, instituições contramajoritárias, como o STF, seriam chamadas a exercer esse papel.
Porém, um aspecto negligenciado nesse debate é quando organizações de controle, que supostamente exerceriam um papel contramajoritário, exercerem, na prática, um papel majoritário, ao beneficiar as preferências do governo de plantão.
Um bom exemplo foi a decisão recente de STF de condicionar a execução de emendas dos parlamentares ao cumprimento do arcabouço fiscal. Essa interpretação, na prática, devolve a discricionariedade para o executivo que havia sido perdida com a impositividade da execução das emendas individuais e de bancada.
Ainda não restabelece a capacidade de o presidente agir estrategicamente executando primordialmente emendas de parlamentares mais fieis da sua coalizão. Mas a decisão do STF teria o potencial de reestabelecer a preponderância do executivo em relação ao legislativo no orçamento, facilitando a governabilidade.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.