Tem havido muita controvérsia sobre o papel que as emendas dos parlamentares ao orçamento da União exercem no presidencialismo multipartidário brasileiro. A ciência política brasileira há tempos tem se debruçado sobre o tema e oferece algumas respostas para essa questão.
Existe um arsenal de trabalhos acadêmicos publicados em periódicos nacionais e internacionais que proporcionam evidências robustas da importância das emendas dos parlamentares na política brasileira.
Em uma série de artigos publicados em parceria com Bernardo Mueller, por exemplo, demonstramos como e porque as emendas dos parlamentares são peça fundamental para a formação de maiorias legislativas estáveis favoráveis aos interesses do executivo. Os parlamentares que votam de forma mais consistente em favor do governo apresentam maiores chances de verem suas emendas executadas. O custo de governabilidade é, em grande medida, produto do comportamento estratégico entre o presidente e os legisladores na alocação das emendas na política orçamentária.
Eu e Bernardo também mostramos que apesar de os partidos políticos no Brasil se mostrarem fracos na arena eleitoral, são muito fortes e disciplinados dentro do Congresso. O que explica esse paradoxo é o acesso a emendas possibilitada pelo comportamento partidário dentro no legislativo. Tais emendas são fundamentais para que o parlamentar nutra suas conexões eleitorais individuais nas redes locais de interesse.
Leia e entenda:
Em parceria com Barry Ames e Lúcio Rennó, mostramos que a maioria dos eleitores brasileiros demanda que seus representantes no legislativo federal ofertem políticas locais por meio de suas emendas ao orçamento. Portanto, as emendas dos parlamentares também resolvem um suposto problema de representação já que permitem que eles entreguem o que os eleitores esperam.
Ao contrário da visão derrogatória dominante que muitas pessoas nutrem das emendas dos parlamentares, a sua execução gera resultados virtuosos nos municípios beneficiários desses recursos. Em pesquisa realizada com Frederico Bertholini e Lúcio Rennó, mostramos que as emendas promovem inclusão social e econômica, como por exemplo, diminuição da mortalidade infantil, melhora da educação, aumento de emprego formal etc. O problema dessas políticas locais via emendas é que tais efeitos virtuosos não são sustentáveis ao longo do tempo, pois a lógica da alocação não é a necessidade do município, mas a sobrevivência do parlamentar.
Em uma série de pesquisas realizadas com Lúcio Rennó, mostramos que a execução das emendas individuais dos parlamentares é a variável chave para explicar o sucesso eleitoral de deputados federais que concorrem a reeleição. Também mostramos em pesquisa conjunta com Eduardo Leoni que a maioria dos deputados federais que executam mais emendas concorrerem mais frequentemente à reeleição porque essa opção gera mais sucesso eleitoral quando comparada a qualquer outra alternativa de carreira política. Enquanto os deputados federais que concorrem a outros cargos ao final do mandato (ex. governo estadual ou Senado) são menos dependentes de emendas, os que concorrem a reeleição dependem da execução das suas emendas para serem eleitoralmente bem-sucedidos.
As emendas dos parlamentares ao orçamento são um dos instrumentos de maior liquidez da caixa de ferramentas de governabilidade do executivo no presidencialismo multipartidário. Em pesquisa em conjunto com Timothy Power e Eric Raile, mostramos que as emendas são, na realidade, substitutos imperfeitos da distribuição dos cargos ministeriais. Ou seja, o presidente maximiza retornos políticos ao alocar ministérios para os parceiros de coalizão mais próximos ideologicamente dele(a), e emendas para os parceiros mais distantes.
As referidas emendas também constituem um importante componente do custo de governabilidade com o qual o presidente se depara ao montar e gerir coalizões. Em uma série de pesquisas com Frederico Bertholini, Eric Raile e Marcus André Melo, mostramos que quando o presidente monta coalizões com muitos partidos, ideologicamente heterogêneos, não compartilha poder e recursos de forma proporcional com os parceiros e ignora a preferência agregada do legislativo, tende a ter que gastar mais para alcançar governabilidade e a apresentar baixo sucesso legislativo.
A despeito desse conhecimento acumulado, ainda não se sabe, por exemplo, como o presidencialismo multipartidário vai funcionar diante de um legislativo mais fortalecido pela impositividade das emendas individuais e coletivas, bem como por outras reformas que têm enfraquecido relativamente o executivo. Não temos boas lembranças dos problemas de governabilidade e instabilidades democráticas causados pela combinação de um presidente fraco e multipartidarismo entre 1946 e 1964. A perda de poder do executivo, com as emendas impositivas, pode aproximar o sistema político atual ao daquele período.
Existe uma literatura comparada muito robusta (ex. Hallerberg, Strauch e von Hagen 2010) sobre governança fiscal e orçamentária que demonstra que quanto mais o processo orçamentário for descentralizado no legislativo, maior será o gasto público, o déficit orçamentário e mais ineficiente será a política orçamentária do ponto de vista alocativo. Por outro lado, processos orçamentários descentralizados criam mais segurança à sobrevivência eleitoral dos parlamentares, pois facilitam o acesso a recursos que alimentam a conexão eleitoral do legislador com as suas redes locais de interesse.
No outro extremo, quando mais o executivo dominar a política orçamentária, menor será gasto público e maior a eficiência alocativa dos recursos orçamentários. Por ouro lado, maior centralização da política orçamentária gera maiores riscos para a sobrevivência eleitoral do legislador, pois condiciona o acesso a recursos ao apoio às políticas do executivo.
Não existe, portanto, uma saída “ótima”. Sempre existirá um trade off entre eficiência alocativa dos recursos públicos versus riscos à sobrevivência eleitoral do parlamentar individual.
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