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Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião|Mal estar e saídas políticas extremas

Competitividade eleitoral de extremistas não decorre de falha institucional

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Foto do author Carlos Pereira

Tem sido argumentado que o sistema político brasileiro, caracterizado pela combinação de presidencialismo e de multipartidarismo, tem falhado por não ser capaz de impedir a emergência de candidaturas eleitoralmente competitivas de políticos de perfil extremista, como a de Jair Bolsonaro, em 2018/2022, ou a de Pablo Marçal, em 2024.

Eleições unificadas contam com apoio da Justiça Eleitoral para empréstimo de urnas eletrônicas e treinamento de pessoas que vão trabalhar nas mesas receptoras de votos (Foto: Alejandro Zambrana - TSE) Foto: Alejandro Zambrana - TSE

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A hipótese seria a de que deve existir algo de errado com o desenho do sistema político para que eleitores considerem votar em políticos extremos que têm uma plataforma antipolítica e de negação e/ou de fragilização das instituições democráticas.

Se o surgimento de candidaturas competitivas dessa natureza fosse uma decorrência específica do desenho institucional do sistema político brasileiro, deveríamos encontrar um menor número de políticos e partidos extremistas e antissistema eleitoralmente competitivos em países com desenhos institucionais completamente distintos dos do Brasil. Entretanto, não é isso que temos observado.

A Alemanha, por exemplo, possui um regime parlamentarista. O sistema eleitoral é misto em que 50% das cadeiras do parlamento são alocadas pelo sistema majoritário e os outros 50% pelo sistema proporcional com lista fechada. O partido ou coalizão que obtém a maioria de cadeiras no parlamento (Bundestag) elege o Chanceler.

Apesar das diferenças do sistema político alemão, o partido de extrema direita, Alternativa para Alemanha (AFD), acaba de vencer as eleições regionais, especialmente nos estados que pertenciam a antiga Alemanha oriental. Além do mais, o até então incipiente partido de extrema esquerda, Sahra Wagenknecht Alliance (BSW), se sagrou a terceira força eleitoral também nesses estados.

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A França tem um regime semipresidencialista, em que o presidente é eleito diretamente pela população e o primeiro ministro é escolhido pelo presidente pelos partidos que conseguiram obter a maioria de cadeiras ou formar uma coalizão no parlamento. Cada membro do parlamento é eleito em um distrito eleitoral com apenas uma vaga. Quem obtém a maioria absoluta (metade dos votos, mais um) no distrito é eleito já no primeiro turno. Se a maioria absoluta não for atingida, os primeiros colocados disputam um segundo turno.

As características específicas do regime político francês também não impediram que o partido de extrema direita, Reagrupamento Nacional (RN) fosse o mais votado no segundo turno das eleições deste ano, quando alcançou quase 9 milhões de votos (32% do eleitorado), ampliando o seu peso político no parlamento francês de 88 (15%) para 143 (25%) cadeiras. Esse foi o melhor resultado eleitoral da extrema direita desde a Segunda Guerra Mundial.

Os Estados Unidos são um país presidencialista bipartidário em que o presidente é eleito indiretamente pela maioria dos delegados do Colégio Eleitoral. Os legisladores das duas casas legislativas são eleitos por um sistema majoritário puro uninominal em cada um dos 538 distritos eleitorais (435 da House of Representatives, 100 do Senado e 3 do Distrito Federal).

Mesmo após sofrer uma condenação judicial por fraude ao comprar o silêncio de uma atriz pornô e também de ser indiciado em processo sobre a invasão do Capitólio em 2021 após não ter reconhecido a sua derrota eleitoral para Joe Biden em 2020, o ex-presidente Donald Trump está disputando de forma competitiva a presidência dos Estados Unidos com chances reais de vitória nas eleições presidenciais deste ano.

Ou seja, sistemas políticos radicalmente distintos não têm sido capazes de frear a competitividade eleitoral de candidatos e/ou de partidos com claras características antissistema. O problema, portanto, não parece ser de desenho institucional.

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Como argumenta Sérgio Abranches no livro A Era do Imprevisto: A Grande Transformação do Século XXI, “o mundo vive conturbada e longa transição... Nesses períodos, crescem incerteza e imprecisão... As marcas desses tempos são a velocidade espantosa da mudança e a imprevisibilidade do futuro. Nesse intervalo entre duas eras, uma que se esgota e uma que se insinua, as maneiras que aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais... Há muito desencanto e desespero... A transição agudiza os problemas correntes, sem revelar prontamente o mundo que está por vir... Como se um impasse civilizatório estivesse nos conduzindo à falência geral das instituições. Vai ganhando terreno a ideia de que estamos fadados ao fracasso e ao colapso.”

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Esse mal estar generalizado com o mundo da política, que não consegue dar respostas eficazes e eficientes a problemas correntes, é o “meio de cultura” propício para que alternativas antissistema e antipolítica se desenvolvam e se tornem eleitoralmente competitivas, independentemente do desenho institucional do sistema político.

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Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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