Na reforma tributária aprovada no Legislativo e sancionada pelo presidente Lula, vários grupos de interesse conseguiram obter tratamento tributário diferenciado. As regras, na realidade, permitem privilégios tributários e crédito subsidiado para empresas privadas, ou remuneração acima do teto constitucional, inclusive para servidores do Judiciário.
O economista Marcos Lisboa, em ótimo artigo publicado na Folha de S.Paulo no dia 11 de janeiro, argumenta que “o Executivo tem sua parcela de responsabilidade. Mas o mesmo ocorre com as demais instâncias do setor público, assim como com os grupos privados que obtêm favores oficiais. O desequilíbrio fiscal, seria assim obra de “muitas mãos” e deveria ter sua “responsabilidade compartilhada”. Lisboa diagnostica com precisão que “muitos grupos denunciam com indignação as regras que favorecem os demais. Ao mesmo tempo, defendem com virulência os seus próprios privilégios”.
Essa interpretação dos determinantes do desequilíbrio fiscal, entretanto, é fundamentalmente moral. Ou seja, carece de uma análise das estruturas de incentivo institucional e político que geram tais comportamentos irresponsáveis e oportunistas. É baseada na suposição de que os atores políticos e os agentes econômicos seriam motivados por uma suposta retidão comportamental, e não por um cálculo racional que maximizariam seus retornos.
Leia também
Em sistemas presidencialistas, especialmente os multipartidários como o brasileiro, as responsabilidades pela higidez das políticas macroeconômicas não são compartilhadas. Os diferentes atores políticos e os diversos agentes econômicos respondem a estruturas institucionais de incentivo muito distintas.
Como a sobrevivência eleitoral do legislador depende fundamentalmente das suas conexões descentralizadas com redes locais e grupos de interesse específicos, essa estrutura de incentivos o leva a perseguir prioritariamente a implementação de políticas que venham a beneficiar esses interesses locais e/ou setoriais. Portanto, a prioridade do legislador não é a implementação de políticas universais, como uma política fiscal responsável, mas de políticas locais e setoriais que tragam retornos eleitorais e garantam a sua sobrevivência em um jogo altamente competitivo.
Mas, é o presidente da República que tem uma estrutura de incentivos para perseguir uma política fiscal e monetária responsável e conducente com o crescimento e a estabilidade. Por ter uma base eleitoral distribuída em todo o território nacional e por ser constitucionalmente muito poderoso, falhas ou acertos na condução de políticas macroeconômicas não podem ser crivelmente atribuídas ou creditadas a outros atores políticos, como o Congresso ou o Judiciário, nem mesmo a choques exógenos, como desastres naturais ou pandemias. A responsabilidade, para o bem ou para o mal, será sempre do chefe do executivo.
Porém, ao invés de interpretar esse conflito de preferências entre o Executivo e o Legislativo como gerador de dificuldades insolúveis ou de problemas estruturais no presidencialismo multipartidário, deve-se perceber que existe espaço de cooperação por meio da institucionalização de mecanismos de ganhos de troca coordenados pelo presidente.
Para tanto, é necessário que o presidente monte e gerencie coalizões majoritárias relativamente homogêneas, compartilhe poderes e recursos levando em consideração o peso político de cada parceiro no Congresso e que sua coalizão não seja muito distante da preferência agregada do legislativo. Se o presidente souber montar e gerenciar sua coalizão, interesses privados difusos dos legisladores e dos agentes econômicos poderiam assim alinhar os diversos incentivos para que o sistema político presidencialista multipartidário entregue uma melhor performance de suas políticas públicas.
O presidente teria assim condições de perseguir e implementar bens públicos nacionais amplos, como o equilíbrio das contas públicas, que garantiria a sua sobrevivência, em troca de políticas locais e setoriais, que garantiriam a sobrevivência eleitoral dos legisladores.