A vitória dos candidatos do presidente Jair Bolsonaro à presidência da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) é, na realidade, evidência inequívoca da derrota do projeto unilateral de governar e das sucessivas tentativas do presidente de negar a política e suas instituições. O presidencialismo multipartidário venceu!
Para quem foi eleito negando de forma peremptória a política tradicional e os partidos, preferindo governar a partir de conexões e apelos diretos aos eleitores, constrangendo o legislativo, confrontando outros poderes e desrespeitando a mídia, ter se engajado diretamente nas eleições das lideranças legislativas sugere que o presidente Bolsonaro fez uma das maiores inflexões da República. Um verdadeiro estelionato eleitoral com os que acreditaram no seu projeto supostamente asséptico da política.
O engajamento do Palácio do Planalto não foi apenas retórico, mas por meio da utilização explícita de vigorosas moedas-de-troca. O Estadão, por exemplo, teve acesso a uma planilha interna do governo com a liberação de R$ 3 bilhões de recursos extra orçamentários em obras nos redutos eleitorais de 285 parlamentares (250 deputados e 35 senadores) que se comprometeram a votar em Arthur Lira para presidir a Câmara e Rodrigo Pacheco para presidir o Senado.
Além disso, é esperada uma reforma ministerial ampla com o objetivo de acomodar os partidos políticos que fazem parte do Centrão e que agora assumem um papel mais explícito na coalizão do governo Bolsonaro. Também entra nessa conta, a presidência de estatais, diretorias e outros cargos importantes na burocracia pública em troca de apoio parlamentar.
A mudança radical de postura de Bolsonaro, embora tardia, era completamente esperada. Se deveu aos incentivos e restrições do sistema político brasileiro. Não foi consequência de um desvio moral, ainda que ele também possa existir. O presidencialismo multipartidário gera incentivos para que um presidente constitucionalmente forte, mas partidariamente minoritário, construa coalizões por meio de ganhos de troca para poder governar.
Sem a utilização de ferramentas de troca institucionalizadas, o presidencialismo multipartidário trava, pois as relações executivo-legislativo tornam-se cíclicas e instáveis.
Diante dessas ferramentas de governo agora utilizadas pelo presidente Bolsonaro, não foi surpresa a vitória em primeiro turno de seus candidatos a presidência nas duas casas legislativas. O ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma espécie de lame duck (pato manco) do legislativo por não poder se candidatar à reeleição, perdeu os instrumentos e ferramentas institucionais para recompensar os deputados de sua base para gerar suporte político necessário ao seu candidato, deputado Baleia Rossi (MDB-SP).
O alinhamento político entre o executivo e o legislativo, que é regra e não exceção na democracia brasileira, não é necessariamente sinônimo de subserviência. A alta profissionalização e institucionalização do Congresso, o padrão de carreira parlamentar com elevado índice de reeleição e a condição de minoria da coalizão do governo Bolsonaro conferem condições para que o legislativo coopere, mas sem se subordinar a agenda do executivo, pois exigirá compromissos e recompensas em troca desse consentimento. Ou seja, o fato de Lira e Pacheco terem sido eleitos por maioria expressiva, não significa que o governo Bolsonaro terá um apoio incondicional do Congresso.
*CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR TITULAR DAFGV EBAPE
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