O principal receio de um governo iliberal, de perfil autoritário e personalista é não conseguir encontrar um ticket de saída não violento. Ou seja, é não saber a hora de iniciar uma transição democrática e pacífica de poder.
Em pesquisa realizada com 110 países de 1946 a 2010, a partir de 280 casos de transições de regimes autocráticos para a democracia, Barbara Geddes e coautores (2018) mostram no livro How Dictatorships Work: Power, Personalization, and Collapse que ditadores personalistas são mais propensos a enfrentar o exílio, a prisão ou a morte após o fim dos seus regimes autoritários. Por isso têm boas razões para resistir às negociações de transições democráticas se acharem que poderiam se manter no poder por mais tempo ou que enfrentariam riscos iminentes de perder a própria cabeça.
Entretanto, a recusa em negociar ou mesmo a decisão de renegar negociações de acordos passados, aumenta a probabilidade de a oposição recorrer à força em mais de um terço dos movimentos para desalojar ditadores. Esta fração é ainda maior nas ditaduras personalistas, onde cerca de dois terços das transições de ditaduras para a democracia acabaram em violência. Transições de regime não violentas tendem a democratização e diminuem as chances de represálias e retaliações da elite política que chega contra a elite iliberal que sai.
Na semana passada foi assinado em Barbados um acordo entre o governo iliberal de Nicolás Maduro e a oposição. Esse acordo tem o potencial de mudar a história recente na Venezuela, com a saída de Maduro da presidência pelo voto popular e a consequente restauração da democracia.
Por um lado, Nicolás Maduro concordou com a libertação de presos políticos, a regularização do registro eleitoral de mais de 6 milhões de eleitores que vivem fora do país e com a realização de eleições livres sob o escrutínio de observadores internacionais, incluindo da União Europeia, até dezembro de 2024.
Por outro lado, os Estados Unidos, diante do embargo do ocidente ao petróleo russo com a invasão da Ucrânia, se comprometeram em suspender, ainda que temporariamente por um período de seis meses, as sanções ao petróleo, gás e ouro venezuelanos, impostas dede 2019.
Um ponto crucial, entretanto, ainda está em aberto. A participação no processo eleitoral de políticos que foram declarados inelegíveis pelo governo Maduro e, portanto, impedidos de exercer cargos públicos por um período de 15 anos. É o caso, por exemplo, de Maria Corina Machado, conhecida como “dama de ferro”, que embora tenha rejeitado o acordo e não tenha participado das negociações, acaba de ser escolhida, por ampla maioria de votos, como candidata da oposição ao governo Maduro nas eleições primárias do último domingo.
A melhor estratégia para Maduro, que ocupa a presidência da Venezuela desde 2013, mas teve a legitimidade de seu governo contestada com a sua controversa e não reconhecida reeleição em 2018, é abolir todas as restrições à participação de qualquer candidato de oposição no processo eleitoral e, acima de tudo, jogar para perder para ganhar o seu “salvo-conduto”.
Se o processo eleitoral for livre, justo, competitivo e legitimado pela comunidade internacional, uma derrota de Maduro aumentará as chances de ser percebido como magnânimo, pois a despeito dos riscos, agiu de forma desinteressada para uma transição pacífica à democracia na Venezuela.
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