Tem sido propagada uma interpretação de que o voto de eleitores pobres em candidatos e partidos de direita seria decorrência de um problema informacional. O sociólogo Jessé Souza, por exemplo, argumenta que a esquerda perdeu as eleições municipais porque o eleitor “pobre e branco do Sul e do Sudeste do Brasil” e o “negro evangélico” são desinformados e alienados.
Para Jessé, esses eleitores não saberiam os “reais motivos” de sua pobreza. Ninguém jamais teria explicado para eles por que se tornaram pobres e por que eles teriam menos oportunidades. A pobreza e as injustiças sociais adviriam, para essa interpretação, de problemas estruturais... de um longo processo de exploração e de dominação de uma elite econômica e política, egoísta e predatória, e que agora estaria querendo manipulá-los.
A conclusão que se tira dessa linha de argumentação é que, uma vez informados dos seus “reais inimigos” e dos “verdadeiros motivos” que os teriam levado à pobreza e mantido nessa situação, esses eleitores necessariamente votariam em candidatos de esquerda.
Essa abordagem é muito parecida com a linha argumentativa daqueles que acreditavam que eleitores votam em políticos corruptos porque não sabem diferenciá-los dos não corruptos (Ferraz e Finan 2008). Acreditava-se que, uma vez informados, eleitores sempre prefeririam votar em políticos não corruptos. Sabe-se hoje que o problema não é apenas informacional. Mesmo eleitores informados votam em políticos corruptos, seja por ganhos privados (Manzetti e Wilson 2007), seja pelo provimento de políticas públicas (Pereira, Melo e Figueiredo 2009), seja por alinhamento político e ideológico ou mesmo por relativizações cognitivas (Barros, Goldszmidt e Pereira 2020).
Eleições municipais não são garantia nem bons preditores do que vai ocorrer nas eleições gerais subsequentes. Portanto, partidos que tiveram um desempenho ruim/bom nas eleições municipais de 2024 não necessariamente irão reproduzir a mesma atuação em 2026, e vice-versa.
Mas, a partir da fraca performance dos partidos e candidatos de esquerda nestas eleições municipais, é possível inferir que a esquerda parece ter perdido a capacidade de falar para o eleitorado de baixa renda que costumava votar no PT no passado recente.
O eleitor pobre não deve ser entendido de maneira unidimensional, como um miserável faminto que apenas se contenta com políticas de transferência de renda. Ele é complexo. Tende a ser um frequentador de uma igreja, talvez evangélica, que lhe expõe a perspectiva e o sonho de melhoria de vida via trabalho, esforço, mérito e aperfeiçoamento individual.
A esses eleitores pobres, a esquerda tem ofertado um projeto de inclusão via combinação de emprego CLT e de programas de proteção social e de transferência de renda. Há uma espécie de esgotamento da saída social-democrata oferecida pela esquerda, que é ancorada em aumento do gasto público em um contexto de restrição fiscal e de intolerância à elevação da carga tributária. Os eleitores pobres, de certa forma, perceberam que mais carga tributária não trará um futuro melhor para eles nem para seus filhos.
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Essa agenda, portanto, não mais satisfaz o eleitorado pobre, que mudou e a esquerda não viu. Enquanto a esquerda demoniza empreendedores, a direita chama o eleitor pobre para se tornar um deles. Enquanto a esquerda oferece políticas públicas inclusivas, mas de qualidade duvidosa, a direita oferta o sonho de melhora das condições de vida por meio de esforço e iniciativas individuais. Enquanto a esquerda promete proteção e segurança, a direita oferta o prêmio do risco, o direito de querer mais, de melhorar e de mudar seu status social e financeiro.
Está claro, portanto, que as soluções ofertadas pela esquerda têm sido insuficientes para esses eleitores pobres, que parecem estar cansados e descrentes das políticas e experiências dos governos de esquerda. Se quiser se mostrar competitiva em 2026, a esquerda terá que se renovar e incorporar as demandas, os sonhos e os desafios dessa parte da população que, ao invés de alienada ou desinformada, é ambiciosa e quer mais aqui e agora.
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