O Congresso era o maior legislador do Brasil no período democrático de 1946 até o golpe de 1964. O presidente, constitucionalmente fraco em ambiente multipartidário, não conseguia ser atraente o suficiente para montar e gerir maiorias legislativas. Crises de governabilidade e paralisia decisória geravam instabilidades e tensões quase que permanentes à democracia.
A partir da ditadura militar, o Executivo, como era de se esperar em regimes autoritários, se fortaleceu com uma série de dispositivos unilaterais de governo, passando assim a ser o maior legislador, com um número muito mais alto de iniciativas legislativas que se transformavam em leis.
A despeito da volta da democracia em 1985, o padrão caracterizado pela preponderância do Legislativo do período democrático anterior não retornou. Na realidade, o Executivo não apenas continuou a ser o principal legislador, mas também o protagonista no jogo com o Congresso, que passou a ter um papel eminentemente reativo à dominância do presidente.
Por escolha dos próprios legisladores, presidentes se tornaram constitucionalmente poderosos e, assim, capazes de montar coalizões majoritárias, mesmo em ambiente partidário hiper fragmentado. Quando as coalizões eram bem geridas, presidentes conseguiam ser bem sucedidos no Legislativo a um custo de governabilidade relativamente baixo.
No entanto, como pode ser visto na tabela abaixo, a partir de 2018, o Legislativo (soma de Câmara e Senado) ultrapassou o Executivo no número de iniciativas legislativas que se transformaram em leis. A única exceção foi 2020, primeiro ano da pandemia, quando 64% das 151 leis promulgadas tiveram o Executivo como autor, e o Legislativo iniciou apenas 36% (Câmara 25% e Senado 15%).
O mais surpreendente no período foi o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, quando o Executivo só conseguiu ser o autor de 24% (64 iniciativas) de todas as 263 leis que foram promulgadas. Esse é o percentual mais baixo da série histórica. Por outro lado, o Legislativo iniciou 70% (183 iniciativas: Câmara 53% [139] e Senado 17% [44]) de todas as leis o que foram promulgadas.
Vários elementos institucionais e políticos contribuíram para esta mudança drástica. A impositividade das emendas individuais e coletivas certamente teve um peso importante, pois o Executivo perdeu duas moedas-de-troca ágeis e de grande liquidez, que permitiam ajustes finos das relações entre o presidente e seus parceiros de coalizão.
Mas o Executivo possui várias outras moedas-de-troca extremamente valiosas, como ministérios, cargos na burocracia das estatais, concessões nas políticas públicas e outras modalidades de emendas dos parlamentares ao orçamento sob sua discricionariedade, como, por exemplo, as de Comissão (apenas para este ano de 2024, estão orçadas nesta rubrica quase R$ 17 bilhões).
Ainda é muito cedo para saber se esse será o novo padrão das relações entre o Executivo e o Legislativo. O importante é indagar se uma preponderância do Legislativo no processo decisório interessaria ou não ao governo e se isso acarretaria potenciais problemas de governabilidade.
Presidencialismo multipartidário com Legislativo preponderante sempre foi pensado como sinônimo de crises e instabilidades governativas e democráticas. Mas, apesar da clara preponderância do Legislativo, o governo Lula não tem se mostrado, até o momento, vulnerável, a despeito do alto custo de governabilidade de sua super coalizão de 16 partidos heterogêneos e do baixo sucesso de suas iniciativas legislativas.
Se o Legislativo está atuando em conformidade com os interesses do Executivo e não como adversário do presidente, o protagonismo dos legisladores não necessariamente vai gerar graves entraves para o funcionamento do presidencialismo multipartidário e para a democracia. Na realidade, a sua principal consequência é obrigar o presidente a antecipar e a mirar a preferência agregada do Legislativo em busca de soluções negociadas com o Congresso, como aconteceu, por exemplo, com a reforma tributária.
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