Em todos os anos de eleições municipais no Brasil, é muito comum escutar que tais eleições serão fortemente afetadas pela política nacional. Esse argumento tem ganhado ainda mais destaque em um contexto de forte polarização política entre Lula e Bolsonaro, situação que Felipe Nunes e Thomas Traumann classificam como calcificada.
A expectativa é que essa suposta polarização política na esfera nacional seria tão forte que, muito provavelmente, também seria reproduzida nas eleições municipais deste ano. Ou seja, a trincheira das eleições municipais seria mais um espaço para que as preferências polarizadas dos eleitores venham a se calcificar em torno dessas duas lideranças polares nacionais.
Entretanto, as análises estatísticas feitas pelo cientista político Jairo Nicolau mostram que essa expectativa não tem fundamento, pois a relação entre esses dois eventos eleitorais é praticamente inexistente. Na realidade, Nicolau mostra que a correlação entre os votos para presidente da República e para prefeito das cidades é muito baixa.
Primeiramente, esse fenômeno ocorre porque muitos partidos que lançam candidatos a prefeito não lançam candidatos à Presidência, como é o caso do MDB ou de outros partidos que priorizam a trajetória legislativa. O inverso também é verdadeiro: o PT, por exemplo, não lança candidatos em muitos municípios ou, quando lança, apresenta um desempenho eleitoral pífio. Dois anos depois, entretanto, consegue eleger o presidente com ótimas votações em municípios nos quais não havia lançado candidatos ou onde seus candidatos a prefeito haviam perdido.
Mais especificamente, ao analisar a performance dos partidos entre as eleições municipais de 2020 e as eleições nacionais em 2022, Nicolau só encontra correlação razoável de 0,53 para o PT. Já a correlação para o PL, partido supostamente localizado no polo extremo ao do PT, a correlação é simplesmente inexistente: -0,08. O mesmo fenômeno acontece em pares de episódios eleitorais anteriores.
Leia também:
Ou seja, os eleitores brasileiros têm feito escolhas independentes tanto para os governos e representantes nacionais como para os governos locais.
Quando avalia bem um prefeito, o eleitor tende a votar na sua reeleição mesmo quando ele pertence a um partido diferente ou mesmo a um partido adversário do seu candidato a presidente na eleição subsequente. O inverso também é verdadeiro: quando o prefeito é mal avaliado, eleitores consideram votar em candidatos de outros partidos à prefeitura mesmo quando o incumbente rejeitado pertence à legenda do seu candidato à Presidência.
Outros aspectos relevantes quando se considera a influência da política nacional nas eleições municipais são o grau de rejeição do “padrinho” nacional do candidato a prefeito, o nível de desconhecimento do candidato desafiante à prefeitura e a avaliação que os eleitores fazem da performance do incumbente.
A nova pesquisa Quaest indica que a influência de lideranças nacionais é mais forte quando o desafiante é desconhecido do que quando o candidato é o incumbente.
Por exemplo, o atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), que tem sua performance na prefeitura bem avaliada por 45% dos cariocas, perde intenção de voto (de 52 para 46 pontos percentuais) quando o eleitor descobre que ele está sendo apoiado pelo Presidente Lula. Já o seu principal desafiante, Alexandre Ramagem (PL), que é desconhecido do eleitorado, ganha intenção de voto (de 14 para 30 pontos) quando o eleitor é informado que ele é apoiado por Bolsonaro. A pesquisa também revela que 71% do eleitorado não votaria em um candidato apoiado por Bolsonaro e 75% em um candidato apoiado por Lula.
Fenômeno semelhante acontece em São Paulo, onde o incumbente Ricardo Nunes (MDB), que tem boa avaliação de seu mandato (33% positivamente e 36% regular), perde intenção de voto (de 26 para 25 pontos) quando o eleitor é informado que ele é apoiado por Bolsonaro. Por outro lado, o desafiante Guilherme Boulos (PSOL), ganha intenção de voto (de 23 para 28 pontos), quando o eleitor descobre que ele está sendo apoiado pelo Lula. Na realidade, a maioria dos eleitores de São Paulo (51%) prefere que o próximo prefeito eleito seja independente.
A situação de Boulos em São Paulo é, portanto, muito similar a de Ramagem no Rio de Janeiro. Ambos parecem depender dos seus “padrinhos”. O problema é que Lula e Bolsonaro, respectivamente, possuem altas taxas de rejeição nas duas cidades.
Portanto, a polarização política na esfera nacional tenderá a não se reproduzir nas eleições municipais de forma automática.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.