Quem mais precisa fazer compromissos críveis são aqueles que apresentam maiores déficits de credibilidade. Por outro lado, quem já dispõe de credibilidade apresenta menor necessidade de “atar suas próprias mãos”.
Nas eleições de 2002, a maior fragilidade de Lula era o risco de que seu governo viesse a se comportar de forma irresponsável do ponto de vista fiscal e de que não respeitasse contratos nacionais e internacionais. A “Carta ao Povo Brasileiro” cumpriu o papel de sinalizar tal compromisso, posteriormente referendado pelo extraordinário superávit primário alcançado pelo seu governo.
Em que pese Lula venha sendo extremamente evasivo sobre sua política macroeconômica e sobre como pretende governar, a sua maior fragilidade nas eleições de 2022 é de outra ordem. Pesa sobre ele a grande desconfiança em relação a sua capacidade de se comportar de forma não desviante, uma vez eleito.
No último dia 7/10 participei de uma homenagem ao Professor Barry Ames, que acaba de se aposentar do departamento de ciência política da Universidade de Pittsburgh. O livro que melhor representa o legado de Barry para a política brasileira é Deadlock of Democracy in Brazil, em que demonstra, com rigor científico e metodológico, alguns dos elementos institucionais que supostamente dificultariam a governabilidade provenientes dos inúmeros pontos de veto do seu sistema presidencialista multipartidário.
Em seu discurso de despedida, Barry sugeriu que Lula deveria escrever uma nova carta ao povo brasileiro. Não se trata de um pedido de desculpas pelos escândalos de corrupção bilionários em que se envolveu no passado. Desta feita, seria necessária uma clara indicação das políticas concretas de combate à corrupção em seu eventual futuro governo.
Essa sugestão do Barry é consistente com a preferência da maioria dos eleitores brasileiros. De acordo com o DataFolha, o combate ao crime e à corrupção voltou a ser a principal preocupação para 85% dos eleitores brasileiros e o fator determinante para a decisão de voto no segundo turno, a frente, inclusive, do desemprego e do combate à inflação.
Como o jogo eleitoral ainda não está definido, uma sinalização de Lula, atando suas próprias mãos, poderá ser decisiva para atrair eleitores, especialmente de centro, que ainda desconfiem do comportamento retilíneo de Lula.
Entregar os órgãos de controle do governo (i.e. PGR) à oposição, como por exemplo é feito em alguns países anglo-saxões, ou a quem tiver interesse de encontrar potenciais malfeitos no futuro governo, certamente iria ter um efeito devastador na desconfiança que inúmeros eleitores ainda nutrem em relação a Lula. Representaria, de fato, um compromisso crível no combate à corrupção. Afinal, quem não deve, não teme!
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