Fica cada vez mais claro que o Judiciário tem exercido um papel proeminente na política brasileira. A maioria das interpretações desse fato, entretanto, se baseia quase que exclusivamente na perspectiva da personalidade individual de um juiz ou de um ministro do STF. Como se o protagonismo do judiciário fosse consequência direta de características pessoais ou de um estilo próprio de atuação de alguns de seus membros e não de elementos institucionais.
Na direção contrária a essas interpretações de enfoque individual, especificamente em relação ao desempenho arrojado do ministro Alexandre de Moraes, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, argumentou que Moraes “tem tido condição de fazer esse papel porque essa é uma visão majoritária no Supremo. Portanto, não é uma coisa personalista, nem monocrática. Reflete um sentimento coletivo de proteção da democracia. É claro que cada um, quando conduz um inquérito, conduz com as características da sua personalidade, mas há uma institucionalidade por trás”.
Essa interpretação institucional de Barroso é ancorada na teoria da delegação (Epstein e O’Halloran, 1999), na qual existiriam ganhos coletivos com a delegação de poderes para que agentes individuais atuem de forma consistente com os interesses de uma determinada maioria. Moraes seria então um “agente” dos interesses da maioria da Corte, assim como foi o ex-ministro Joaquim Barbosa, no julgamento do mensalão, ou como foi o ex-juiz Sérgio Moro, durante boa parte da Lava Jato.
Muito do que parece arroubo individual pode ser, na realidade, apenas delegação. Ou seja, o ministro estaria agindo como seus pares desejam. Isso não quer dizer que as preferências, estilos e idiossincrasias individuais não importem. Mas, que seria mais “eficiente” para o plenário que o ministro de forma estratégica atue individualmente e arque com os custos que recairiam em toda a corte se a decisão fosse coletiva.
Mesmo quando a atuação individual de um ministro “cruza o sinal” para além do que o plenário acha razoável, valeria a pena para o plenário correr esse risco e arcar com esses “custos de agência”. Ou seja, nem sempre é vantajoso reverter a decisão individual de um agente, mesmo quando ela parece exagerada.
Apenas quando os “custos de reversão” são baixos é que o plenário teria incentivos a reagir rapidamente a uma decisão individual e corrigir o rumo ou mesmo destituir o agente individual da função de representar os interesses coletivos. Ou seja, existe uma área de tolerância do plenário que o indivíduo atua estrategicamente até o limite dos custos de reversão.
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