BRASÍLIA - As notas fiscais das compras feitas com cartão corporativo no governo Jair Bolsonaro revelam um presidente diferente daquele que se mostrava em público. Diante das câmeras, Bolsonaro aparecia comendo churrasquinho com farofa, cachorro-quente e pastel. Mas a lista de despesas da residência oficial mostra que o cardápio era outro. Aparecem cortes nobres de carne, frutas e verduras de um famoso mercado gourmet, além de camarão e bacalhau.
O cartão corporativo pode ser usado para esse tipo de despesa e os dados mostram que os ex-presidentes consumiam esses alimentos. Bolsonaro foi o único, no entanto, que procurava passar uma imagem de austeridade. O então presidente disse 15 vezes em lives que não utilizava o método de pagamento. Ele não tinha costume de receber grupos de convidados ao longo dos quatro anos de governo para almoços ou jantares no Palácio da Alvorada, uma prática comum entre seus antecessores.
Gastos revelados
No dia 7 de junho de 2019, foram comprados 6,3 kg de picanha maturatta, 15 kg de filé mignon sem cordão e ainda peças de costela defumada, batata palha, potes de palmito e azeitona. A conta deu R$ 1.443,07, com R$ 147,28 em descontos. Os pescados também aparecem na lista de compras da residência oficial. Em abril de 2019 foram adquiridos 4,2 kg de camarão rosa, 7,2 kg de bacalhau e 10,8 kg de filé de robalo ao preço de R$ 2.241,55. No intervalo de um ano foram ao menos 14 compras de picanha, 47 de mignon e 15 de bacalhau. Essas despesas eram frequentes – às vezes mais do que uma vez na semana.
As compras que abasteciam a residência oficial contrastam com a imagem de Bolsonaro nas redes sociais, onde já apareceu preparando o café em meio a uma pia com louças sujas e comendo pão com leite condensado numa mesa sem toalha ou pratos. Com a escalada da inflação, Bolsonaro justificou que os brasileiros estavam comendo demais.
O La Palma, um mercado gourmet em Brasília com produtos para a alta gastronomia, recebia visitas praticamente diárias dos funcionários encarregados de fazer as compras do Alvorada. O estabelecimento também foi bastante recorrido para servir aos presidentes anteriores a Bolsonaro. Frutas, verduras, castanhas e nozes, além de temperos e especiarias estavam entre os itens mais comprados.
Ao longo dos quatro anos de mandato foram feitas ao menos 1,2 mil compras naquele mercado. Equivale a uma ida todo dia útil – descontando finais de semana e feriados. Não é possível saber a finalidade de todas as compras, nem para quem ou para qual situação os itens foram adquiridos.
As notas fiscais também mostram gastos em restaurantes, como 19 idas ao Outback, totalizando R$ 5,7 mil – média de R$ 300 por vez – sendo a última registrada em 17 de dezembro de 2022, às vésperas do fim do mandato.
REMÉDIOS
Medicamentos para depressão, ansiedade, problemas de pele e infecção de garganta também constam nos documentos. Como há a necessidade de explicar a ida à farmácia, as receitas médicas do presidente foram anexadas aos processos de prestação de contas.
Itens de uso pessoal, como creme dental e aparelho de barbear aparecem também nas notas fiscais. Já no primeiro mês de governo, em janeiro de 2019, foi realizada uma festa infantil. Os documentos não indicam para quem foi direcionada a celebração, mas a lista de compras tem línguas de sogras e enfeites.
Caixas
As notas fiscais dos cartões corporativos da Secretaria Geral da Presidência ficam armazenadas em um almoxarifado do Pavilhão de Metas, a 700 metros do Palácio do Planalto. No local, trabalham os servidores públicos que analisam os processos de prestação de contas dos gastos e, em seguida, alimentam o Portal da Transparência.
Os documentos não são digitalizados. Ficam dentro de pastas guardadas em caixas de plástico. A consulta às notas fiscais, possibilitada pela solicitação da Fiquem Sabendo via LAI, foi feita presencialmente. Um servidor foi deslocado para monitorar o trabalho de consulta. Ao longo de três dias de leitura dos documentos, foi possível analisar cerca de 20% do total arquivado.
Outro lado
O Estadão não conseguiu contato com o ex-presidente. O ex-ministro das Comunicações, Fabio Faria, informou que Bolsonaro está recluso nos Estados Unidos. Durante o mandato, Bolsonaro disse ao menos 15 vezes em lives que não utilizava cartão corporativo. O valor apurado até agora é inferior ao usado por Luiz Inácio Lula da Silva nos seus dois primeiros mandatos e por Dilma Rousseff no seu primeiro mandato.
Bolsonaro gastou R$ 40 milhões com cartão corporativo, em valores corrigidos. O valor apurado até agora é inferior ao usado por Luiz Inácio Lula da Silva nos seus dois primeiros mandatos e por Dilma Rousseff no seu primeiro mandato.
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