Cartão corporativo de Bolsonaro: Passeios custavam R$ 100 mil em média e reuniam 300 militares

‘Estadão’ e Fiquem Sabendo tiveram acesso a dois mil documentos classificados como reservados, anexados na prestação de contas do cartão corporativo

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Foto do author Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA - Toda vez que Jair Bolsonaro decidia viajar a lazer ou passear de moto por capitais do País ele era acompanhado por até 300 militares ao custo médio de R$ 100 mil para os cofres públicos. É o que revelam as notas fiscais que descrevem gastos com cartão corporativo do ex-presidente. O Estadão teve acesso a dois mil documentos classificados como reservados, anexados na prestação de contas do cartão corporativo. Até então, apenas o somatório dos gastos com esse método de pagamento foi divulgado, sem a identificação do que foi adquirido.

Nota fiscal de compra de 534 lanches em São Paulo com cartão corporativo da Presidência no governo Bolsonaro. Foto: Reprodução

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O Estadão não conseguiu contato com o ex-presidente. O ex-ministro das Comunicações Fabio Faria informou que Bolsonaro está recluso nos Estados Unidos. Durante o mandato, Bolsonaro disse ao menos 15 vezes em lives que não utilizava cartão corporativo.

As milhares de notas fiscais foram consultadas em parceria com a Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas. Os documentos detalham que as viagens de Bolsonaro para promoção pessoal representavam despesas volumosas, tanto com a hospedagem de cerca de 30 servidores públicos que partiam de Brasília, como com a alimentação de aproximadamente 300 pessoas que davam suporte no local de destino. Esses eventos, batizados de motociatas por Bolsonaro, tinham como único propósito promover a figura do ex-presidente sem qualquer ação pública a ser anunciada.

Um passeio de moto de Bolsonaro no Rio, por exemplo, em maio de 2021, custou R$ 116 mil, contando com o suporte local de policiais militares, tropa de choque, socorristas e agentes do Exército. Em alguns deslocamentos, mais de 200 integrantes das Forças Armadas chegaram a ser empregados. Os nomes de cada um deles constam das prestações de contas.

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O então presidente Jair Bolsonaro em motociata no Rio de Janeiro em maio de 2021 Foto: Alan Santos/PR

Essa tropa explica, ao menos em parte, inclusive os gastos repetidos. Foi comum, por exemplo, a aquisição de 300 lanches a R$ 30 cada – totalizando R$ 9 mil por turno de trabalho. O kit consistia em um ou dois sanduíches de presunto e queijo, uma bebida, como suco ou refrigerante, e uma fruta. Como os funcionários chegavam a fazer mais de 9 horas de prontidão por dia, eram alimentados três vezes – café, almoço e jantar.

As padarias Tony e Thays, em São Paulo (102 compras no total de R$ 126 mil), e Santa Marta, no Rio (24 compras por R$ 364 mil) eram as preferidas para alimentar a tropa. Entre os funcionários estavam pilotos, motoristas, seguranças e integrantes do cerimonial. Geralmente as diárias tinham valores baixos – entre R$ 100 e R$ 250 – mas a quantidade de pessoas envolvidas e o tempo de estadia é que faziam disparar a conta.

Nas despesas do cartão corporativo não constam os gastos de combustível das aeronaves, custeados pela Força Área Brasileira (FAB). Mas o que é servido durante os trajetos, os chamados serviços de comissaria, como a alimentação a bordo do avião oficial, eram contratados, ficando na faixa de R$ 4 mil por viagem.

Nos registros analisados pelo Estadão, na maior parte das vezes Bolsonaro não pernoitava no local: saía de manhã de Brasília e voltava no mesmo dia. As exceções evidentes eram os períodos de férias e lazer. É o caso de uma das hospedagens em São Francisco do Sul (SC), em fevereiro de 2021. O então presidente ficou com familiares e assessores no Forte Marechal Luz, pertencente às Forças Armadas. Mas a hospedagem de quatro dias ficou em quase R$ 9 mil. Reparos em jet-skis e lanchas que ficaram avariadas durante o passeio custaram mais de R$ 5 mil. Também foi realizada a locação de serviços de antena parabólica e TV por assinatura. Durante essa viagem de quatro dias, as compras de supermercados chegaram a R$ 48 mil.

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Bolsonaro costumava dizer que essas hospedagens em instalações militares tinham “custo zero” para os cofres públicos. O então secretário de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif Júnior, fez um tour pelo Forte Marechal Luz para mostrar que não tinha ar condicionado. “Hotel 5 estrelas”, ironizou. O custo para o erário é agora revelado pelas notas fiscais.

Carlos Bolsonaro

Além das viagens do próprio presidente, a equipe também era mobilizada nos deslocamentos de seus familiares. Um exemplo é uma visita que o filho Carlos Bolsonaro fez a Resende (RJ), em janeiro de 2021, e foi acompanhado por cinco pessoas, com os gastos de deslocamento, alimentação e hospedagem custeados pelo poder público. O mesmo filho era a presença mais frequente nas viagens do pai, de acordo com os registros consultados pelo Estadão.

Também quando a primeira-dama Michelle decidia fazer algo fora de Brasília, e não acompanhada pelo marido, tinha as despesas – suas e da equipe – bancadas pelo cartão corporativo. Mensagens nos processos de prestação de contas mostram que hotéis ofereciam cortesias para ela e também up grade (melhorias nas instalações).

Caixas

As notas fiscais dos cartões corporativos da Secretaria Geral da Presidência ficam armazenadas em um almoxarifado do Pavilhão de Metas, a 700 metros do Palácio do Planalto. No local, trabalham os servidores públicos que analisam os processos de prestação de contas dos gastos e, em seguida, alimentam o Portal da Transparência.

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Arquivos com notas fiscais de gastos da Presidência no governo Bolsonaro Foto: Katia Brembatti

Os documentos não são digitalizados. Ficam dentro de pastas guardadas em caixas de plástico. A consulta às notas fiscais, possibilitada pela solicitação da Fiquem Sabendo via LAI, foi feita presencialmente. Um servidor foi deslocado para monitorar o trabalho de consulta. Ao longo de três dias de leitura dos documentos, foi possível analisar cerca de 20% do total arquivado.

Bolsonaro gastou R$ 40 milhões com cartão corporativo, em valores corrigidos. O valor apurado até agora é inferior ao usado por Luiz Inácio Lula da Silva nos seus dois primeiros mandatos e por Dilma Rousseff no seu primeiro mandato.

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