Decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que impuseram à rádio Jovem Pan a concessão de direitos de resposta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a “abstenção” de se manifestar sobre temas cuja abordagem foi classificada como “ofensiva” pela defesa do petista reforçaram o debate sobre a atuação e critérios adotados pela Corte no combate à desinformação. As decisões do TSE impõem censura prévia à emissora e ferem direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Especialistas ouvidos pela reportagem corroboram essa interpretação.
O acórdão destas decisões ainda não foi divulgado, e a ementa dos julgamentos - nome dado ao resumo da decisão - apenas diz respeito à multa e ao dever de evitar “tratar os fatos” mencionados pela defesa petista. Entenda o caso:
PT pede censura
Três pedidos de direito de resposta foram feitos pela equipe de advogados da campanha do ex-presidente Lula entre os dias 2 e 12 de setembro. Em todas as petições, pede-se que a Corte conceda, em até dois dias, pedidos de resposta a declarações específicas de comentaristas políticos da emissora. Nestas petições da defesa do ex-presidente, às quais o Estadão obteve acesso, não constavam pedidos para que os comentaristas fossem cerceados. Neles, Lula solicita direito de resposta em até dois dias.
Porém, numa ação de investigação eleitoral apresentada pelo partido em 14 de outubro, o PT pede que a emissora seja obrigada, liminarmente, a se abster de reproduzir “conteúdos e notícias” sobre Lula classificadas como desinformação (mais informações abaixo). Na prática, o TSE negou o pedido de censura na ação por investigação eleitoral apresentada pelo PT, mas impôs a mordaça nos pedidos de direito de resposta ajuizados pelo partido.
Relatora negou inicialmente pedidos do PT; Plenário virtual reverteu decisão e impôs censura à emissora
Inicialmente, a relatora das ações, ministra Maria Claudia Bucchianeri, negou os pedidos do PT. Ela considerou que não se tratavam de comentários “manifestamente inverídicos”. “O que restam são as críticas duras, ácidas, desagradáveis, mas que, ainda que injustas e infundadas, devem ser resolvidas e respondidas dentro do ambiente da própria política”.
Em três julgamentos virtuais - que não contam com a presença dos ministros e a leitura ao vivo de seus votos -, a decisão foi revertida pelo plenário. Bucchianeri manteve sua posição, mas ficou vencida, ao lado de Sérgio Banhos e Raul Araújo. A favor de Lula, votaram Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves, e o presidente da Corte, Alexandre de Moraes.
Detalhes da decisão ainda não estão disponíveis
A redação do acórdão, documento em que todos os termos da decisão seriam mais detalhados, ficou a cargo do ministro Alexandre de Moraes. No entanto, o acórdão ainda não foi publicado. Segundo a ementa de todos os julgamentos, a Corte foi além do próprio pedido da defesa de Lula.
Textualmente, o documento determina que a emissora e seus comentaristas se abstenham “de promover novas inserções e manifestações sobre os fatos tratados nas Representações apresentadas e detalhados no voto condutor do acórdão, tanto na emissora de rádio Jovem Pan como no sítio eletrônico da representada na internet e no seu canal do YouTube”. As decisões são do dia 18 de outubro.
TSE também mandou investigar emissora por tratamento privilegiado a Bolsonaro
No dia 14 de outubro, o PT pediu ao TSE que fosse aberta uma investigação sobre um suposto tratamento privilegiado, conferido pela emissora, ao presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). Na ação, o partido pediu à Corte uma apuração de supostos abusos dos meios de comunicação do Grupo pela veiculação de conteúdos “sabidamente inverídicos ou completamente descontextualizados”. “Tudo isso de modo a beneficiar o candidato à Presidência, Jair Bolsonaro e seu vice Braga Netto”, afirma o pedido do PT.
Na mesma ação, o PT pediu que o TSE obrigue, liminarmente, a Jovem Pan a conceder “tratamento isonômico aos candidatos ao cargo de Presidente da República, de modo a cessar o tratamento privilegiado ao candidato Jair Bolsonaro; bem como seja determinado que se abstenha de reproduzir mais conteúdos e notícias sobre fatos sabidamente inverídicos e descontextualizados em relação ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva e ao processo eleitoral”.
No último sábado, 15, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, negou o pedido liminar do PT. No entanto, acolheu o requerimento de abertura da investigação. Para o ministro, o PT apenas pediu, liminarmente, a “reiteração do dever que recai sobre todas as emissoras, e que está previsto em regra legal de caráter geral e abstrato”. “Desse modo, eventual concessão da medida pleiteada não seria suficiente para permitir ao destinatário identificar qual ato específico, objeto do comando judicial, deve ser praticado ou fica proibido”.
Ao justificar a decisão de abrir a investigação, Benedito Gonçalves considerou que a programação da Jovem Pan cedeu espaço para “especulações, sem nenhum fundamento em evidência fática, sobre conchavos políticos e sobre imaginária manipulação de pesquisas e mesmo dos resultados das eleições”.
O corregedor acrescentou que comentários feitos na emissora procuram “incutir nos eleitores o medo de um ‘golpe de esquerda’, do fechamento de igrejas e do domínio do crime organizado” em caso de vitória de Lula na eleição presidencial.
“É possível constatar da leitura dos trechos e do acesso aos vídeos que, em um efeito cíclico, os comentaristas da Jovem Pan não apenas persistem na divulgação de afirmações falsas sobre fatos (coisa que difere da legítima opinião que possam ter sobre a realidade), como somente se mostram capazes de ‘explicar’ as decisões a partir de novas e fantasiosas especulações, trazidas sem qualquer prova, de que haveria uma atuação judicial favorável um dos candidatos”, afirmou o ministro do TSE.
Gonçalves disse ainda que a “desinformação gera audiência”, mas que a análise do processo não poderá perder de vista as condições de “exercício legítimo da liberdade de imprensa e de opinião”. Ele destacou que comentaristas da Jovem Pan, em programas de grande audiência, têm reverberado discursos de Bolsonaro sem significativo contraponto. “A acentuação dessa abordagem, durante o período eleitoral, constitui indício de tratamento privilegiado a candidato, prática vedada às emissoras de rádio e televisão a partir do término das convenções”, enfatizou o corregedor.
Por ser uma concessão pública de rádio, a Jovem Pan deve respeitar princípios de isonomia na cobertura dos candidatos durante o período eleitoral, segundo rege a legislação eleitoral.
Direção da rádio pediu para que comentaristas evitem expressões em declarações sobre Lula
Após as decisões, a direção de jornalismo da emissora encaminhou um comunicado aos seus comentaristas, em que dizia estar orientada pelo departamento jurídico a “não utilizar” expressões como “ex-presidiário”, “descondenado”, “ladrão”, “corrupto”, “chefe de organização criminosa”.
“Além disso, não devemos fazer qualquer associação entre o candidato Lula ao crime organizado. E mais: as críticas aos ministros e ao Judiciário não são recomendadas pelo nosso jurídico neste momento”, diz o comunicado. Segundo a direção da rádio, na mensagem aos comentaristas, “aqueles que não se sentirem confortáveis com essa determinação com base em decisão da Justiça” deveriam informar a direção para que pudessem “ser substituídos nos programas”.
Especialistas veem censura em decisões sobre “abstenção” sobre fatos apontados pelo PT
O advogado eleitoral e consultor da comissão eleitoral da OAB-SP Silvio Salata afirma que “embora o TSE esteja imprimindo o melhor esforço para promover a igualdade entre os concorrentes, essa decisão da Jovem Pan fere alguns direitos e garantias fundamentais da constituição, sobretudo o direito da informação”. “Houve um certo excesso na definição dessa proibição, que na verdade, se define como uma censura da emissora.”
Segundo Salata, “direito de resposta é previsto em lei, inclusive na lei do processo eleitoral”. “Impedir que a emissora publique certos fatos, que fique sob a ótica de censura, é um pouco exagerado, e é proibido pela nossa Constituição. Direito de resposta é uma garantia constitucional e o processo eleitoral permite o pedido onde houveram os fatos inverídicos.”
Em entrevista ao UOL, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Walter Maierovitch afirmou que o TSE “erra grosseiramente (na decisão sobre a Jovem Pan)”. “É uma censura prévia por um fato futuro e desconhecido, como por exemplo, o jornalista ou comentarista se manifestar sobre determinado assunto”.
“A Jovem Pan está pelos seus comentaristas, pelos seus jornalistas, impedida de tratar da questão da condenação do Lula. O jornalista poderia comentar uma presunção de inocência no caso ou a anulação dos processos, que são fatos reais. Isto é não só uma pura censura, mas uma censura prévia que antecede ao fato”, disse.
O Estadão entrou em contato com a defesa da Rádio Jovem Pan, que ainda não se manifestou.
A Jovem Pan está sob censura?
Sim. O TSE determinou que os jornalistas da emissora “se abstenham de promover novas inserções e manifestações sobre os fatos tratados nas representações apresentadas e detalhados no voto condutor do acórdão, tanto na emissora de rádio Jovem Pan como no sítio eletrônico da representada na internet e no seu canal do YouTube”, atendendo integralmente a um pedido do PT. Quando uma autoridade proíbe a divulgação de qualquer conteúdo por um veículo de comunicação antes mesmo de conhecer seu conteúdo, está exercendo a censura prévia.
O TSE está contrariando a cláusula pétrea da Constituição Brasileira que garante o livre direito de expressão e de imprensa no Brasil?
A lei eleitoral, como qualquer legislação infraconstitucional, não se sobrepõe à Constituição. Ocorre que no período eleitoral emissoras de radiodifusão, que são concessões públicas, são obrigadas a seguir certas regras temporárias, entre elas a de não se engajar em um lado qualquer das disputas eleitorais. O TSE concordou com a petição do PT que descreveu a Jovem Pan como “um braço do bolsonarismo”.
O TSE proibiu os jornalistas da Jovem Pan de utilizar determinados termos, como “Lula é corrupto”?
Não. A decisão do TSE não descreve esses detalhes. O próprio departamento jurídico da emissora interpretou a decisão do TSE e orientou seus profissionais a não usar determinadas expressões.
A Jovem Pan poderia desobedecer ao TSE e não mudar em nada sua maneira de cobrir as eleições?
O TSE determinou uma multa diária de R$ 25 mil à emissora em caso de desobediência. A emissora poderia ter optado pela desobediência e pagar a multa. Pela legislação vigente, porém, essa multa pode ser aumentada pelo juiz eleitoral e atingir valores proibitivos para a emissora.
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