BRASÍLIA - Francisco Wanderley Luiz ficou estranho nos últimos dias, contam seus vizinhos. Cotidianamente simpático, prestativo e conversador, o catarinense de 59 anos emudeceu de repente antes de se explodir num atentado na Praça dos Três Poderes, que jogou tensão sobre Brasília e deixou o País em alerta na quarta-feira, 13.
Ele não falava de política. Chegou a Ceilândia, periferia do Distrito Federal, pela primeira vez em 2023, onde conheceu pelo boca-a-boca o albergue que voltou a alugar em julho deste ano, por R$ 570 a mensalidade. Seu minúsculo quarto ainda cheirava a pólvora na manhã desta quinta-feira após a Polícia Militar detonar o que restavam de explosivos.
Dona Gleide Alves, antiga inquilina que faz as vezes de anfitriã, costuma escolher a dedo os interessados que procuram por alojamento. Quando conheceu Francisco Wanderley, ouviu dele que vinha do Sul e trabalhava no setor de “energia”. Após uma ida a Santa Catarina em meio às chuvas que devastaram o Estado, ele voltou para uma última estada na Ceilândia, alegando estar de férias. Gleide o considerava um amigo.
“Voltou do mesmo jeitinho. Solícito, prestativo, se comunicava muito bem. Não falava de política, não. Falava dos passarinhos, das minhas plantas. Gostava de saber as coisas da Bíblia. Pagava o aluguel certinho, às vezes até adiantado. Me ajudou a plantar essas cebolinhas”, diz ela.
O autor do atentado manteve os mesmos hábitos nas duas vezes em que esteve hospedado na Ceilândia. Levantava cedo, tomava café na padaria, andava de bicicleta, presenteava os amigos e tinha gosto por ajudar na manutenção do imóvel. De vez em quando, tirava o capim que crescia no rejunte das calçadas. Construiu um brinquedo para as calopsitas de Dayana, neta de Gleide. Parou de fumar em 1º de novembro. Mentiu que havia comprado tijolos para fabricar souvenirs e vendê-los em Brasília — usou-os para a bomba caseira que explodiu dias depois.
No Bar do Arroz, na esquina de sua hospedagem, Francisco Wanderley tinha o apelido de “capixaba”, mas agora os frequentadores o chamam de “homem-bomba”. Marcava presença toda semana no boteco. Pedia três garrafas de cerveja, batia breve papo com os colegas e voltava para casa. Gostava do Velho Nunes, um militar aposentado.
Na noite da última terça-feira, ele pediu ao dono do bar, o Arroz, para grafar com giz a parede voltada para rua. Escreveu o nome com o qual concorreu nas urnas em 2020: Tiü França. Depois, soltou um comentário que os colegas acharam misterioso.
“Quando você ouvir essa música, vai se lembrar de mim”, disse Francisco Wanderley a Arroz, e pôs a cantar “Decida”, canção da dupla Milionário e José Rico: “sente aqui comigo no sofá”.
“Decida / Se vai embora ou fica comigo / Se vai me respeitar como marido / Pois desse jeito não estou aguentando”, diz o refrão da música, que os clientes do Bar do Arroz apostavam, nesta manhã, entre doses de cachaça, ser sinal de coração partido.
“De repente ele parou de conversar com a gente, fazia uns dois dias”, Gleide conta. Na quarta-feira, ele saiu de seu quarto às 6h, vestido com o blazer colorido que usaria no atentado. Varreu o pó no pé da porta, espiou para os lados, e saiu de carro, aparentando confusão.
Ao sair pela última vez do alojamento, ele deixou uma mensagem com batom no espelho do seu banheiro: “Débora Rodrigues, por favor, não desperdice batom. Isso é para deixar as mulheres bonitas!!! Estátua de merda se usa TNT”.
Débora Rodrigues dos Santos, que foi presa pela Polícia Federal em 17 de março de 2023, na 8ª fase da Operação Lesa Pátria, escreveu a frase “Perdeu, mané” na estátua da Justiça, localizada em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), durante os ataques golpistas de 8 de Janeiro de 2023. A mesma estátua em torno da qual ele arremessaria as bombas na última noite, antes de se matar.
As últimas publicações de Francisco Wanderley no Facebook trazem referências menos românticas. Em seu perfil derrubado na mesma noite pela rede social, ele fez ataques à Corte, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aos presidentes das duas Casas do Congresso Nacional.
Tiü França reproduzia teorias conspiratórias anticomunistas como o QAnon, populares na extrema-direita americana. E seguia várias páginas de direita, como Movimento Avança Brasil - RS, Espaço Enéas Carneiro, Terça livre - Cursos, Brasil Paralelo, Jornal da Cidade Online, Jair Messias Bolsonaro e Olavo de Carvalho. Em sua conta no X (antigo Twitter), há o mesmo padrão.
Uma antiga amiga de Francisco Wanderley de Rio do Sul relatou ao Estadão, sob reserva, que ele não falava de política dez anos atrás, nem parecia se interessar pelo assunto. E se disse surpresa quando ele se candidatou a vereador em 2020 pelo PL, que viria a se tornar o partido do então presidente Jair Bolsonaro. Questionada sobre como o ex-amigo se converteu de “tio Fan Fan”, seu apelido no Rio do Sul, para o “homem-bomba” da Ceilândia, ela pensa um pouco. E diz que só o fanatismo explica.
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