Foi nos telefones celulares de Claudemir Antonio Bernardino da Silva, o Guinho, que o Grupo de Atuação especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, encontrou algumas das principais provas da ação exercida por criminoso do Primeiro Comando da Capital (PCC) no transporte público da terceira maior cidade do Estado: Campinas.
Com 1 milhão e 138 mil habitantes, a cidade é o centro de uma região que abriga um dos maiores complexos prisionais de São Paulo dominado pelo PCC. Os celulares de Guinho foram apreendidos em uma das fases da Operação Sumidouro, que investigava uma rede de traficantes de drogas que usava as galerias pluviais da cidade. O Estadão teve acesso ao relatório sigiloso da análise dos telefones. Ali estão fotografias que retratam o tráfico de armas e drogas, a execução de rivais, a operação dos ônibus, além de mensagens, documentos e comprovantes de depósitos bancários trocados pelos criminosos.
Condenado a 21 anos anos de prisão por tráfico de drogas, ele é sobrinho de Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho, líder do PCC, que segundo a polícia foi responsável pela morte de Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, em 2001. Andinho cumpre seus 700 anos de condenação por sequestros, assassinatos, tráfico de drogas, e organização criminosa encarcerado na penitenciária federal de Brasília. Recentemente, ele e outras duas lideranças da facção romperam com Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, provocando um racha na direção da organização criminosa.
De acordo com o Gaeco, a quadrilha de Guinho alugava casas em condomínios fechados na região de Campinas para usar como esconderijos de drogas e armas. Parte do material e mais de R$ 300 mil foram apreendidos em uma busca feita, em 2022, pelos promotores, na rua Sebastião Trajano, no Residencial Botânico, onde Guinho foi preso.
Na ação, os investigadores apreenderam telefones celulares nos quais foram encontrados os arquivos que ligam a quadrilha ao sistema de transporte da cidade de Campinas. A exemplo do que aconteceu em São Paulo no começo dos anos 2000, em Campinas o PCC também invadiu o setor por meio do transporte clandestino de passageiros feito por perueiros. A Prefeitura, por meio da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) diz que realizou uma sindicância que não apontou irregularidades e que presta todo apoio às investigações do MP (veja abaixo).
O Relatório de Análise do Material Apreendido mostra a estrutura da organização do traficante e como ele controlava a venda de drogas na região. Além disso, os investigadores localizaram provas de como o dinheiro do tráfico era investido em imóveis e no transporte público por meio de perueiros ligados à cooperativa Altercamp. A cooperativa diz que é apenas prestadora de serviços a proprietários de veículos (veja abaixo). As contas bancárias de cooperados seriam usadas por Guinho e pela mulher do traficante para movimentar o dinheiro até para o pagamento de despesas pessoais do casal.
Pelas mensagens, os promotores viram que Guinho participava das reuniões com os permissionários da prefeitura de Campinas, recolhia o dinheiro obtido com os ônibus e cuidava da manutenção de sua frota, além de pagar propina mensalmente aos fiscais do sistema de transportes. Diz o relatório dos promotores: “Guinho explora, de maneira clandestina, mediante uso do nome de cooperados formais, o transporte público urbano, possuindo três prefixos, cada um com dois veículos coletivos operando, da cooperativa Altercamp, contratada pela Municipalidade de Campinas como prestadora do serviço público”. A administração nega qualquer contato com a cooperativa (veja abaixo).
Para tanto, o traficante e sua companheira usariam laranjas em nome de quem registravam os ônibus de sua propriedade – os promotores identificaram seis veículos. A acusação do Gaeco prossegue: “Para tanto, o traficante parece contar com a conivência de indivíduos em cargos de posição dentro da cooperativa que, tendo pleno conhecimento de tal situação, permitem que ele faça uso de terceiros para lucrar com o transporte, sem que seu nome, nem o da companheira figurem de qualquer maneira, no fornecimento do transporte coletivo”.
Os promotores afirmaram que encontraram ainda comprovantes de pagamentos que provariam sua suspeita. Além de Guinho, seu irmão, Cleiton Bernardino da Silva, o Teka, também seria proprietário de ônibus. Ele também usaria dinheiro do tráfico de drogas para a compra de ônibus.
Os celulares tinham ainda documentos como pagamentos de IPTU, investimentos em compra de imóveis e no agronegócio e bem como centenas de imagens de outros integrantes da quadrilha. Uma delas chamou a atenção dos promotores: é a de um homem decapitado a mando da facção, cuja cabeça aparece ao lado do corpo. O traficante apareceria ainda em vídeos enquanto outro integrante do bando embala drogas, além de escolher fuzis recebendo e enviando imagens de armas.
Em julho de 2023, a sede da cooperativa foi alvo de busca e apreensão. Em setembro, a Justiça aceitou a denúncia do Gaeco e decidiu processar 31 acusados, dos quais oito são acusados de lavagem de dinheiro – entre eles um diretor da cooperativa – e 27 por tráfico de drogas.
O MPE conseguiu na Justiça o sequestro de seis ônibus que seriam de Guinho e o afastamento da cooperativa de um diretor acusado de ligação com a facção. Todos os denunciados foram proibidos pela Justiça de explorar linhas de transporte público no estado. As cooperativas transportam em Campinas mais de 200 mil passageiros por dia e operam 1,1 mil ônibus na cidade.
A Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec) informou que os termos de permissão são assinados diretamente com cada um dos ônibus, não tendo contato com a cooperativa. Segundo o órgão, uma Comissão de Sindicância foi aberta em 2023 e, depois de 68 dias de apuração, a Emdec não encontrou indício de irregularidade ou favorecimento à cooperativa de transporte Altercamp.
“Após a análise de todas as informações extraídas e obtidas, a comissão observou que os dados operacionais apresentados pela Altercamp, em comparação com as demais cooperativas e empresas do sistema, não se sobressaem; observou, também, que qualquer possível ação de favorecimento a qualquer permissionário, seja com ou sem bônus financeiro, envolveria parte substancial de áreas e colaboradores da Emdec, como por exemplo, desde as aprovações documentais, monitoramento e fiscalização (garagem, terminais e itinerários) dos permissionários.”, relatou trecho do documento final, resultado do trabalho da comissão.
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A empresa municipal disse ainda que, desde o início da operação feita pelo MP, “a Emdec presta todas as informações que são solicitadas, para a efetiva investigação do caso. Também desde o início da determinação judicial, a Emdec suspendeu as permissões dos três investigados. A Emdec acompanha os desdobramentos das investigações; e fornece todas as informações que são solicitadas pelo MP”.
Após a publicação da reportagem, a Emdec enviou nova nota ao Estadão, complementando seu posicionamento e afirmando que “a investigação da atuação do PCC, por parte do Gaeco, se dá sobre três linhas de uma das cooperativas que atendem ao transporte alternativo de Campinas”, mas que “o sistema, como um todo, é formado por cooperativas e empresas de ônibus, que somam uma frota de mais de 900 veículos”. “Portanto, o suposto envolvimento em 3 linhas está longe de configurar domínio do Sistema”, disse a Emdec.
O órgão ainda complementou que a fiscalização do sistema cabe à Emdec, e que as cooperativas e empresas “devem seguir regras e normas de conduta que as credenciem para a atividade”. “Não há nenhum indício de envolvimento dos nossos colaboradores com a facção criminosa investigada. Assim como não há nada que desabone a atuação deles na cooperativa Altercamp, onde trabalham os permissionários apontados como “laranjas” de um ‘esquema clandestino criminoso’. Conclusões as quais chegamos depois de longa Sindicância Interna instalada a partir da denúncia”, complementou a Emdec.
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De acordo com a empresa pública, após a denúncia feita pelo MPSP em julho de 2023, e Emdec abriu uma sindicância no dia 10 daquele mês e, em 11 de setembro, concluiu os trabalhos sem que fosse apontada qualquer favorecimento à Altercamp.
Já a Altercamp afirmou que não é dona dos ônibus, apenas presta serviço aos seus proprietários. O Estadão procurou ainda a defesa de Guinho e de seu irmão, mas não conseguiu localizá-la.
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