BRASÍLIA - A Controladoria-Geral da União (CGU) identificou R$ 15 milhões em desvios e desperdícios de dinheiro público nos repasses determinados por emendas parlamentares a Organizações Não Governamentais (ONGs). Os problemas identificados vão desde superfaturamento na compra de itens até gastos que não estão relacionados aos projetos que as emendas deveriam financiar. O montante diz respeito às dez ONGs que mais receberam recursos públicos no período de 2020 a 2024. A reportagem do Estadão procurou as ONGs, na tarde desta terça, mas não houve resposta. O espaço segue aberto.
Além do relatório sobre as dez ONGs que mais receberam emendas de todos os tipos, a CGU também apresentou outro sobre as ONGs que mais receberam emendas Pix, e um terceiro complementando um relatório anterior sobre os municípios que mais receberam emenda, por habitante.
A série de levantamentos da CGU foi feita no âmbito de ações no STF que questionam a transparência e a rastreabilidade das emendas. Em agosto, Dino suspendeu a execução desses recursos até que o Congresso e o governo encontrassem uma forma de melhorar os repasses. O magistrado é o relator dos casos.
Após a apresentação dos relatórios da CGU, Flávio Dino abriu nesta terça-feira (12) prazo de dez dias para que a Câmara, o Senado e o PSOL (autor da ação) se manifestem. Depois disso, será a vez da Procuradoria-Geral da República se manifestar, também com prazo de dez dias. Até lá, as emendas seguem suspensas, decidiu Dino.
A decisão de Dino de bloquear as emendas parlamentares gerou uma crise entre os Poderes que ainda não teve um desfecho. Na semana passada, a Câmara aprovou um projeto de lei complementar com novas regras para os repasses, e o texto tramita agora no Senado.
A auditoria da CGU encontrou possíveis danos ao erário nos projetos executados por 7 das 10 ONGs analisadas. São elas o Instituto Realizando o Futuro, sediado no Rio de Janeiro; o Instituto Léo Moura Sports (RJ); a Fundação Pedro Américo (PB); o Instituto de Políticas Públicas Brasil Digital (DF); o Instituto Fair Play (RJ); a Associação Moriá (DF), e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Humano (Inadh), também do Rio. De 2020 até hoje, essas ONGs foram abastecidas por 132 emendas de todos os tipos, que somam quase R$ 300 milhões.
A CGU também identificou problemas nas outras três ONGs analisadas, mas que não chegaram a causar desperdício de dinheiro público – o que a CGU chama de “dano ao erário”. No total, sete das dez ONGs não teriam estrutura para executar os serviços propostos.
Das ONGs analisadas, a que mais recebeu dinheiro no período foi o Instituto Realizando o Futuro, do Rio, com R$ 99,2 milhões. A CGU analisou apenas um projeto tocado pela ONG, para qualificação profissional no Estado do Rio. E identificou que a instituição gastou cerca de R$ 2,6 milhões – um terço do valor total – para finalidades alheias ao projeto. Parte do acordado também deixou de ser executado pela entidade.
Na Fundação Pedro Américo, que recebeu R$ 56,7 milhões em emendas no período, a auditoria da CGU encontrou R$ 3,1 milhões gastos para adquirir equipamentos que agora ficam paradas no hospital beneficiado. O valor corresponde a cerca de 16% do valor analisado.
Além disso, em um dos três convênios analisados, a CGU encontrou “vínculos de parentesco entre parlamentares e a entidade beneficiada com as emendas”. A CGU disse ainda ter encontrado fragilidades na documentação apresentada pela ONG e na verificação feita pelo Ministério da Saúde sobre a capacidade técnica da Fundação.
Na Associação Moriá, de Brasília, a CGU identificou prejuízo de R$ 1,7 milhão na decisão da entidade de alugar computadores para um projeto, ao invés de comprá-los. Caso similar ocorreu com o Instituto Brasil Digital, também de Brasília, que provocou prejuízo de pelo menos R$ 1,6 milhão em decorrência de contratos antieconômicos para a locação de celulares e computadores.
“Verificou-se, ainda, que as contratações realizadas não observaram a legislação aplicável, pois foram consideradas antieconômicas e foram verificados indicativos de combinações de propostas, além de que os objetos não foram executados conforme o previsto”, escreveu a CGU sobre os convênios do Instituto Brasil Digital. Os convênios foram firmados com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Cidades campeãs de emendas não iniciaram obras
Na noite desta segunda-feira, a CGU também apresentou um relatório sobre a execução das emendas por parte dos municípios que mais receberam emendas parlamentares, em relação ao número de habitantes. Numa versão anterior do levantamento, todos os dez municípios que mais receberam emendas estavam na região Norte – a pedido de Dino, a CGU estendeu a análise a outras 20 cidades, nas demais regiões do País.
Segundo a CGU, chama a atenção a quantidade de obras que não foram sequer iniciadas: 99 no total. Há outras 13 que estavam paralisadas. 75 estavam em execução; e só 69 estavam concluídas. Para a Controladoria, o grande número de obras não iniciadas pode indicar falta de priorização por parte dos municípios.
Amapá de Alcolumbre tem 5 municípios entre os 10 mais beneficiados
O Amapá tem cinco municípios entre os dez mais beneficiados por emendas parlamentares entre 2020 e 2023, de acordo com o relatório da CGU. O Estado é o berço político do senador Davi Alcolumbre (União-AP), favorito para voltar à presidência do Senado em fevereiro.
Dino pediu à CGU que informasse, com base em dados do Portal Siga Brasil, detalhes sobre a destinação de emendas aos 10 municípios mais beneficiados no período de 2020 a 2023, usando como critério a relação entre o volume das verbas e a população.
Dos dez municípios apontados pela CGU, os três primeiros são Tartarugalzinho (AP), Pracuúba (AP) e Cutias (AP), respectivamente. Depois, aparecem Gameleira de Goiás (GO), Parari (PB), Itaguaçu da Bahia (BA), Alto Bela Vista (SC), Amapá (AP), Lavandeira (TO) e Vitória do Jari (AP).
Os recursos são referentes a emendas de relator, do antigo orçamento secreto, esquema de envio de verbas sem transparência revelado pelo Estadão e declarado inconstitucional pelo STF, e a emendas de comissão, que são hoje usadas como barganha política pela cúpula do Congresso.
Atualmente no comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Alcolumbre presidiu o Senado de 2019 a 2021, e a expectativa é que volte a ocupar o cargo a partir de fevereiro, quando haverá renovação das Mesas Diretoras do Congresso. Ele tem o apoio do atual presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), seu aliado e já conquistou a adesão de diversos partidos a sua candidatura. / COLABORARAM IANDER PORCELLA E LAVÍNIA KAUCZ
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