BRASÍLIA - A Controladoria Geral da União (CGU) determinou que o Exército tem 10 dias para retirar o sigilo do processo administrativo que envolveu o general da reserva, ex-ministro da Saúde e hoje deputado eleito Eduardo Pazuello. Em 2021, o oficial participou de um ato político ao lado de Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro. Código de conduta militar impede que a participação em eventos de caráter partidário sem autorização do Comando do Exército.
Ainda durante o governo Bolsonaro, por conta da violação do código de conduta, foi instaurado um processo administrativo, mas Pazuello acabou absolvido. Desde então o Exército vinha se negando em dar acesso ao resultado da apuração sob alegação de que se tratava de uma questão pessoal que, por lei, deveria ficar protegida por 100 anos. A justificativa, no entanto, violava todos os precedentes de pedidos de acesso a sindicâncias já encerradas. A CGU entendia que uma vez concluída a apuração, a documentação é pública.
O Exército sustentava ainda que, por conta do posto de general, a exposição do caso Pazuello poderia abalar o princípio da hierarquia militar. Durante o governo Bolsonaro, foram apresentados pedidos de acesso ao processo, mas tanto o Comando como a própria CGU preferiram manter os documentos em sigilo.
O Estadão apresentou um novo pedido no final do ano passado. O pedido foi novamente negado pelo Exército. Ao analisar um recursos no caso, a CGU, que pela Lei de Acesso à Informação, tem poder de rever decisões de outras Pastas do governo federal, decidiu acabar com o sigilo dos documentos.
“O órgão recorrido (Exército) deverá disponibilizar aos requerentes, no prazo de 10 (dez) dias a contar da publicação desta decisão, o acesso ao inteiro teor do procedimento disciplinar requerido, com o tarjamento, estritamente, de informações pessoais e dados biográficos inerentes a aspectos da vida privada do titular constantes nos autos, tais como: CPF, número de identidade, endereço físicos e de correios eletrônicos, assinaturas, etc”, diz o despacho da CGU.
Na decisão emitida nesta sexta-feira, 17, a CGU destacou ainda que Pazuello nem é mais oficial e entrou para a vida pública, tendo sido eleito deputado e cita um parecer sobre o tema. “O debate sobre hierarquia e disciplina nem sequer aplica-se ao caso em concreto, pois, da avaliação das circunstâncias e dos elementos afetos à situação atual, tem-se que o militar envolvido no procedimento disciplinar esta distante das atividades da caserna”, diz o texto da Controladoria.
Para retardar a liberação dos documentos sigilos, o Comando da Força ainda pode pedir à CGU a revisão da decisão, um recurso não previsto na Lei de Acesso, mas que tem sido admitido pela Controladoria. Como a revogação do segredo no caso Pazuello fora uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é pouco provável que a CGU atenda esse eventual recurso.
Até o momento, o Exército só havia concordado em divulgar um extrato com mero resumo do processo, relatando apenas que a investigação foi aberta, Pazuello apresentou sua defesa e foi absolvido.
General na CPI
O general Pazuello foi nomeado ministro da Saúde no meio da pandemia. Na época, Bolsonaro queria liberar o uso da cloroquina como medicamento para prevenir a contaminação. Os ministros que ocuparam o cargo até então se negaram a fazer isso. Pazuello não se opôs. Ele fez editar documento facilitando o uso do medicamento que não tinha eficácia comprovada. Pazuello também retarnou negociações do governo federal com a gestão do tucano João Doria que se preparava para fabricar a primeira vacina no Brasil.
Numa “live” ao lado de Bolsonaro, Pazuello resumiu sua linha de atuação: “É simples assim: um manda e o outro obedece”. A gestão do general na Saúde e a atuação do governo Bolsonaro no combate ao coronavírus foram alvo de uma CPI do Senado. Pazuello terminou indiciado por crimes cometidos durante a pandemia.
O vai e vem do caso Pazuello
No palanque com o presidente
No dia 23 de maio de 2021, o então ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello subiu num palanque com o presidente Jair Bolsonaro. No ato político, o presidente criticou governadores que incentivaram o isolamento social como forma de evitar o alastramento da covid 19. O regimento militar proíbe que militares participem de atos políticos sem autorização do superior. O Exército abriu uma sindicância para apurar o caso. Pazuello se defendeu e foi absolvido.
O sigilo de 100 anos
No dia 7 de julho de 2021, o Exército negou acesso ao processo disciplinar, já arquivado, do caso Pazuello. Alegou que eram informações pessoais protegidas por 100 anos. O caso foi parar na CGU, em grau de recurso, e a Controladoria, ignorando julgamentos anteriores que permitiam o acesso a processos disciplinares já concluídos, aderiu aos argumentos do Exército para considerar que a divulgação dos documentos poderiam abalar a hierarquia das Forças Armadas.
Sigilo reeditado
O Estadão apresentou um novo pedido de acesso ao processo de Pazuello em dezembro de 2022. Mais uma vez o requerimento foi rejeitado. Foi apresentado mais um recurso ao Comando da Força que foi julgado já no governo Lula. A resposta foi assinada pelo coronel Emílio Ribeiro, subchefe do gabinete do Comandante. O oficial se limitou a dizer que ratificava as decisões anteriores do governo Bolsonaro e que elas estavam “em conformidade” com a Lei de Acesso à Informação.
A revogação
A CGU anunciou na sexta-feira, 3, a produção de 12 enunciados com entendimento sobre o que deve ou não permanecer em sigilo. Um dos enunciados diz que sindicâncias militares devem ter mesmo tratamento das civis, ou seja, após a conclusão os documentos são públicos.
O parecer
Novo parecer da CGU determina a liberação do processo e dá 10 dias para Exército retirar o sigilo do caso Pazuello.
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