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CGU usa sigilo adotado na gestão Bolsonaro para impedir acesso a pareceres do governo Lula

Governo Lula havia prometido acabar com os sigilos do antecessor, mas nova decisão segue entendimento fabricado na Era Bolsonaro; procurada CGU não se manifestou

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Foto do author Francisco Leali
Atualização:

BRASÍLIA - A Controladoria Geral da União (CGU) decidiu seguir um entendimento adotado no governo de Jair Bolsonaro para manter em sigilo pareceres jurídicos emitidos pelos advogados públicos. A decisão da CGU foi emitida nesta segunda-feira, 12, em resposta a pedido de acesso formulado pelo Estadão no ano passado. Procurada, a CGU não se manifestou.

O caso tinha ficado sem julgamento por mais de um ano. O requerimento solicitava acesso à integra de documentos e pareceres que embasaram a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para vetar projeto de lei do Congresso que alterou a Medida Provisória que tratava dos ministérios criados na gestão petista.

Controladoria Geral da União manteve sigilo de pareceres jurídicos 

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O pedido foi apresentado no dia 20 de junho à Casa Civil. Por três vezes o acesso foi negado. A equipe do ministro Rui Costa resgatou entendimento fabricado na gestão Bolsonaro, alegando que um parecer jurídico de consultor de ministério está protegido pelo “sigilo profissional” que vigora na relação entre um advogado e seu cliente. Esse entendimento foi encampado no governo governo Bolsonaro e serviu para negar acesso a pareceres que o orientavam sobre sanção e veto de projetos aprovados no Legislativo.

O argumento de sigilo profissional era defendido pela Advocacia Geral da União, que emitiu um parecer em 2020 recomendando que toda a administração passasse a considerar sigilosas as manifestações dos advogados públicos como se mantivessem uma relação com o governo igual a de uma pessoa ou empresa com o advogado que a defende na Justiça.

No ano passado, depois de a Casa Civil se recusar a entregar os documentos, foi apresentado recurso à CGU, instância que, segundo a Lei de Acesso à Informação, tem poder para determinar que documentos negados por ministérios sejam liberados para assegurar a transparência do governo. Normalmente, a CGU decide recursos em até 60 dias. Mas o pedido que tinha a Casa Civil foi travado.

Antes de decidir, a CGU decidiu parar tudo para debater internamente o tema, ainda que houvesse inúmeros casos de pareceres jurídicos liberados nas gestões de Dilma Rousseff e Michel Temer. Houve também tentativas de intermediar uma mudança de rumos sobre o tema, mas, ao final, a Controladoria levou o caso para a sua Consultoria Jurídica analisar, estrutura que guarda vinculação com a AGU, setor do governo que sempre tentou manter em segredo as manifestações de seus advogados.

Ao invés de recuperar os casos antes de Bolsonaro, a consultoria jurídica da CGU escolheu seguir parecer emitido pela advocacia do governo passado. “A restrição de acesso às manifestações jurídicas elaboradas com a finalidade de apreciação de projeto de lei submetido à sanção ou veto do presidente da República elencada no inciso XVI do art. 19 da Portaria AGU nº 529, de 2016, se fundamenta não só na inviolabilidade profissional do advogado público parecerista, mas também no papel desempenhado pela própria Advocacia-Geral da União na defesa da constitucionalidade do ato ou texto impugnado perante o Supremo Tribunal Federal (STF)”, diz a manifestação da consultoria jurídica da CGU emitida no último mês.

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O parecer cita uma portaria baixada no governo Temer pela AGU que queria manter em segredo suas manifestações. Mas a Controladoria Geral da União, que tem responsabilidade por zelar pela transparência do governo, considerava que a regra era a transparência. Assim, quando um cidadão mandava um pedido para a Presidência da República, o Planalto não se furtava em liberar os pareceres emitidos pela Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ).

Foi assim até mesmo no começo do governo Bolsonaro. Em 2019, a CGU mandou a Secretaria-Geral da Presidência (SGPR) entregar os documentos que tinham sido negados. A SGPR não gostou e pediu que a Controladoria revisse sua decisão, um tipo de recurso que não está previsto na Lei de Acesso. Diante do pedido direto do Planalto, o entendimento da CGU mudou de rumo e o sigilo passou a vigorar. No ano seguinte, um parecer da AGU sacramentou o tema para obrigar todos os órgãos a seguirem o segredo como regra.

Durante a campanha eleitoral, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva prometeu acabar com os sigilos de Bolsonaro. Chegou a levar o tema para debates em televisão. Da promessa de campanha, a gestão petista cumpriu a parte que dizia respeito ao sigilo de 100 anos em documentos do Exército relacionados a uma investigação contra o general Eduardo Pazuello. No caso dos pareceres jurídicos, uma ano após debates internos, o sigilo da Era Bolsonaro foi mantido.

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