Em março de 2023, o Estadão deu um pontapé inicial no que se tornaria a investigação do escândalo de joias do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao revelar que o governo tentou trazer ilegalmente colar e brincos de diamante da Arábia Saudita. A denúncia se desdobrou, descobriram-se mais itens, envolveram-se militares e o ex-presidente hoje é investigado por um esquema de venda de joias no exterior. E, aparentemente, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid já previa, desde março, o risco dessa avalanche.
Em troca de mensagens revelada pela coluna de Juliana Dal Piva, no UOL, o tenente-coronel, que atuava como auxiliar de Bolsonaro, enviou a reportagem para o então secretário de Comunicação Fábio Wajngarten ainda no dia da publicação, 3 de março. O texto apontava que joias então estimadas em R$16,5 milhões (mais tarde a PF atualizou a estimativa para “mais de R$ 5 milhões”) teriam sido apreendidas no aeroporto de Guarulhos em outubro de 2021, na mochila de um militar, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. O governo Bolsonaro tentou por oito vezes reaver esses itens, sem sucesso, mas com grande atuação de Cid e uma última tentativa logo antes de o ex-presidente viajar aos Estados Unidos em dezembro de 2022.
Wajngarten recebeu a reportagem e respondeu a Cid: “Eu nunca vi tanta gente ignorante na minha vida”. O diálogo não deixa claro a quem o advogado se refere, mas Cid logo responde: “Difícil mesmo. O pior é que está tudo documentado”.
Como mostrado pelo Estadão, as joias retidas na receita eram apenas uma parte dos vários presentes recebidos pela Presidência em viagens internacionais e apropriados indevidamente. No início de agosto, a Polícia Federal deflagrou a operação Lucas 12:2 para investigar um grupo de aliados do ex-presidente que teriam vendido joias e outros objetos de valor entregues a autoridades brasileiras em missões oficiais — e tanto Mauro Cid quanto Fábio Wajngarten acabaram envolvidos na investigação. Ambos foram intimados a depor na PF na última quinta, 31, ao mesmo tempo em que Jair Bolsonaro, Michelle e mais quatro pessoas.
Wajngarten, que atua como advogado do ex-presidente, ficou em silêncio, mas Cid, que já está preso, deu um depoimento que durou horas.
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A conversa de março entre os dois aliados de Bolsonaro já dá sinais sobre esse envolvimento. Em resposta à mensagem de Cid, Wajngarten questionou: “Documentado como? explique-me por favor”. Cid enviou uma série de mensagens, mas apagou-as e não foi possível saber o que ele disse. No entanto, enviou um áudio afirmando: “O presidente só ficou sabendo no final do ano, quando o chefe da Receita [Federal] avisou que tinha um bem presenteado para ele que tava ali. Então foi só bem no final do ano que ele ficou sabendo. Não sei dizer a data. Tanto que, em 2022, ninguém tocou nisso aí. Por isso, que entrou para leilão porque ficou mais de um ano”.
Wajngarten, então, perguntou a localização de um segundo pacote de joias também revelado pelo Estadão. Cid disse que Bolsonaro “recebe centenas de presentes” e “nem sabe o que ele recebeu nesses quatro anos”, mas alegou não saber onde estaria esse acervo. O advogado quis saber “quem cuida”, mas o ex-ajudante de ordens foi evasivo. “Deve estar em algum depósito. Cel Câmara”, afirmou, em referência ao coronel Marcelo Câmara, também auxiliar de Bolsonaro.
Mais tarde, a partir de 7 de março, Wajngarten passa a defender que as joias desse segundo pacote deveriam ser devolvidas ao Tribunal de Contas da União (TCU). “Acho que tínhamos de disponibilizar o bem imediatamente através do advogado”, disse. Cid concordou, mas não falou nada sobre a tentativa de venda dos itens nos Estados Unidos.
‘Se não fosse o Fábio, o negócio estaria muito mais enrolado’
Um áudio obtido pelo Estadão revela outra conversa entre Cid e Wajngarten, dessa vez em 13 de março. 10 dias depois da revelação do primeiro estojo de joias, o ex-ajudante de ordens disse ao advogado que nem sabia que ele “estava no circuito”, mas que se não fosse por ele “nessa guerra toda, o negócio estaria muito mais enrolado”.
Em outra conversa entre os dois, em 15 de março, a PF viu possível ligação de Wajngarten com a recompra de um Rolex vendido em Miami. Na ocasião, Cid diz que “parece que vão cassar a decisão do Augusto Nardi [sic]”. O ministro Augusto Nardes, do TCU, havia colocado Bolsonaro como fiel depositário das joias durante o decorrer da investigação.
Wajngarten responde: “Vao mesmo. Por isso era muito melhor agente [sic] se antecipar”.
A ideia de “antecipar”, para a PF, resultou na operação que levou o advogado de Bolsonaro Frederick Wassef a ir aos Estados Unidos recomprar o Rolex, que foi entregue ao TCU na sequência. Quem vendeu o relógio nos Estados Unidos foi o general Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cid.
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