A ex-deputada estadual fluminense Cidinha Campos é autora de diversas denúncias contra Domingos Brazão, preso neste domingo, 24, sob suspeita de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Segundo ela, o crime não teria ocorrido, se fossem investigadas as acusações feitas contra seu ex-colega no período em que conviveram na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), entre 1999 e 2015.
“Se eles tivessem levado em consideração todas as denúncias que eu fiz, ela estaria viva hoje”, disse a ex-parlamentar, nesta segunda-feira, 25, ao Estadão.
Ela ressalta que, entre as denúncias, levou informações sobre Brazão ao Ministério Público do Rio e chegou a ir ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), responsável por apurar movimentações financeiras suspeitas, mas as investigações não avançaram.
“Nada ia para frente. Eu reclamava, eu denunciava, eu fui ao Coaf denunciar a evolução patrimonial dele, mostrar que não estava certo. Na Alerj, ninguém levou em consideração o que dizia como deputada. E nem a polícia, nem o Ministério Público, nem a Justiça levaram em consideração aquilo que eu falava. Nenhuma denúncia ia pra frente”, diz.
A ex-parlamentar afirma que, como resultado das denúncias, Domingos Brazão, atualmente conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), começou a ameaçá-la de morte dentro da própria Alerj.
“Ele reagia com violência. Passava por mim e dizia coisas horríveis, como ‘sua filha disso’, ‘daquilo’. Bastava eu estar sozinha naqueles corredores da Alerj para ele dizer: ‘Vou te matar’”, conta. “Brazão chegou a fazer essas ameaças até mesmo em público, no plenário. E depois mudava de personalidade, fingia ser bonzinho”.
Pelo comportamento violento na Alerj, Cidinha afirma que já tinha certeza que o parlamentar poderia ser o autor do crime bem antes da resolução da Polícia Federal (PF). “Quando, em 2019, o nome dele surgiu na investigação, eu disse: “É o Brazão, é ele’”, relembra. Há cinco anos, a então procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, já havia identificado elementos que apontavam para a “autoria intelectual” de Brazão no assassinato de Marielle.
Por outro lado, ela diz que ficou surpresa quando soube do envolvimento do ex-chefe de Polícia Civil, Rivaldo Barbosa. Cidinha recorda que o delegado visitava com frequência o seu gabinete na Alerj. Após a revelação de que Barbosa atuou para proteger a família Brazão, ela acredita que a motivação das visitas era repassar informações de interesse ao adversário político.
“Ele ia lá exatamente para ouvir as coisas que eu sabia para poder advertir o Brazão de que eu tinha conhecimento sobre ele. Eu confiava nele, fiquei muito surpresa”, afirma.
Barbosa é suspeito de planejar o crime e de atuar para proteger os apontados como mandantes dos assassinatos.
Início do conflito com projeto que afastava deputados
A desavença entre os dois surgiu, segundo Cidinha, quando começou a tramitar na Alerj um projeto de lei que afastava os deputados processados por corrupção.”A partir daí, ele começou a reagir violenta e agressivamente contra mim.”
No próprio relatório final da PF, que detalha a apuração do caso Marielle, os investigadores mencionam Cidinha ao falar das ameaças públicas de morte feitas por Domingos Brazão a seus oponentes. Em um dos episódios, ocorrido em 2004, durante uma discussão, após ser insultada como “vagabunda e p***”, a deputada respondeu: “É melhor ser p*** do que matador e ladrão”. Em seguida, Domingos Brazão ameaçou: “Mando matar vagabundo mesmo. Sempre mandei. Mas vagabundo. Vagabunda ainda não mandei matar”, referindo-se à então deputada.
Além de Domingos Brazão, a PF prendeu também seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ), e o ex-chefe de Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa.
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