Ciro Gomes tem espaço raro na elite política brasileira. Poucos candidatos seguem na disputa presidencial, a despeito de uma série de derrotas com desempenho razoavelmente decepcionantes. Uma das características centrais dessas tentativas de conquistar o cargo mais importante do sistema político brasileiro é a dificuldade de mobilizar apoio entre seus pares políticos. Quase sempre suas candidaturas não conseguem mobilizar apoio das legendas partidárias, gerando um isolamento político, contribuindo para a explicação dessas dificuldades. A fase de pré-campanha em 2022, na verdade, reforçou esse desafio do pedetista. Ciro buscará o voto do brasileiro em uma chapa “puro sangue”.
A falta de aliança partidária nem é o maior desafio da candidatura pedetista. Em boa medida, a atual disputa marca uma mudança estratégia relevante no seu projeto político, qual seja: migrar seu projeto político do campo progressista para um diálogo com a centro-direita. Tal guinada está expressa no discurso da assimetria de risco entre Lula e Bolsonaro, a partir de um distanciamento do seu antigo aliado. Trata-se de adaptação à um cenário de Ciro em tomar o lugar do petismo na articulação do campo da esquerda, seja no âmbito da elite política ou na relação com os movimentos sociais. O pedetista parece apostar na centro-direita não bolsonarista e, portanto, precisa carregar no discurso contra o PT.
A sabatina do pedetista no Jornal Nacional de saída mostrou a particularidade do discurso pedetista vis a vis os demais postulantes: a centralidade assumida pelo discurso programático no apelo ao eleitorado. Quando questionado sobre o desafio da união do país em um cenário de radicalização da elite, Ciro destacou o peso do projeto para o unir o Brasil.
Essa função atribuída ao projeto pelo presidente não inibiu a ambição do seu projeto, apresentado como uma espécie de abolicionismo, ou seja, sugerindo um componente revolucionário com o atual modelo de desenvolvimento.
Curiosamente, a despeito da estratégia de deslocamento do espectro político, o discurso do pedetista mobilizar o plebiscitarismo, ou seja, da consulta direta à sociedade como uma estratégia para driblar a oposição natural da elite à sua proposta de um nacional-desenvolvimentismo com pretensões de ruptura.
O observador mais atento do histórico de dificuldades de Ciro em mobilizar apoio, então, apareceria desconfiado de apostar no sucesso da execução do projeto por meio de um grande pacto com os governadores, uma vez mais, para pressionar o veto de grupos “atrasados” representados nos órgãos representativos.
Em boa medida, a sabatina mostrou a confiança do candidato na singularidade do seu projeto, diante de um histórico de ex-presidentes supostamente sem concepção de mudança para o Brasil.
O desafio central segue aquele do começo da campanha: convencer seus pares e eleitores das ideias defendidas pelo pedetista.
Rafael Cortez é sócio da Tendências Consultoria é Doutor em Ciência Política (USP)
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