A reeleição da prefeita Margarida Salomão (PT) fez de Juiz de Fora um dos principais municípios conquistados pelo PT nas eleições municipais deste ano - um pleito em que o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve saldo abaixo do esperado. Em entrevista ao Broadcast Político/Coluna do Estadão, a ex-reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora faz um balanço da disputa e alertas para o futuro da esquerda.
“Os beneficiários do bem-estar social se desencantaram da esquerda, porque, se é para fazer política de direita, então eu voto na direita. O grande argumento político a favor do meu voto é o bom desempenho”, afirmou Margarida, que defende ainda um processo de escuta aos evangélicos pelo PT. “A esquerda é muito autossuficiente, já sabe tudo. Acho que há preconceito contra os evangélicos”.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Broadcast/Coluna: Como a senhora viu o desempenho do PT nesta eleição?
Um grande problema de muitas candidaturas é fazer a discussão do País na eleição municipal. O prefeito é um síndico. As pessoas querem saber se o prefeito recolheu o lixo, se vai trocar a lâmpada queimada, se vai arrumar a pracinha. Muitos prefeitos se reelegeram, e não eram do PT, porque neste momento a sociedade tem mais emprego, dinheiro correndo, obtenção de crédito. As pessoas não estão irritadas. Quem esteve em Juiz de Fora para fazer campanha contra mim foram Bolsonaro e o governador Romeu Zema. A população não quis nem saber.
Broadcast/Coluna: E a cidade tem um significado para Bolsonaro, em razão da facada...
Eu conheço os médicos que o atenderam na Santa Casa, são muito bons. Tem esse caráter simbólico, mas a presença dele foi irrelevante. Talvez, Pablo Marçal faria mais sucesso. A eleição é local e nunca foi fator preditivo da nacional. Se fosse, você nunca teria tido um desempenho pífio do Alckmin em 2018, menos ainda a vitória do Bolsonaro, que não tinha prefeitura. O Lula, em 2002, quantas prefeituras o PT tinha? As prefeituras que perdemos são mais interessantes de estudarmos do que as que não ganhamos.
Broadcast/Coluna: A senhora foi candidata a prefeita em 2008, 2012, 2016, mas só venceu em 2020 e agora foi reeleita. Por que não desistiu?
O desejo de participação na esfera pública é constitutivo da minha geração. E a derrota ensina mais do que a vitória. Manuel Castells identifica uma categoria, na desagregação das democracias ocidentais, que é a perda da confiança. Os social-democratas começaram a reduzir o Estado de bem-estar social. E os beneficiários do bem-estar social se desencantaram da esquerda, porque, se é para fazer política de direita, então eu voto na direita. O grande argumento político a favor do meu voto é o bom desempenho, mesmo com a pandemia. Cumprir minha palavra levou adversários a terem dificuldade de me desconstruir
Broadcast/Coluna: Qual foi sua estratégia de comunicação?
Presença na comunidade. Eu pisei muito no barro. A segunda coisa é falar a verdade. Eu não neguei problemas na cidade. Em terceiro lugar, ouvir. Escuto sempre falar: é preciso que o PT descubra o discurso para os evangélicos. Errado. O PT, todos nós, qualquer governante, precisa ouvir os evangélicos, porque eles estão na base. A liderança comunitária hoje é o pastor da igreja pequenininha.
Broadcast/Coluna: Qual é a dificuldade de ouvir os evangélicos?
A esquerda é muito autossuficiente, já sabe tudo. Acho que há preconceito contra os evangélicos. As mulheres evangélicas têm muito a dizer sobre a violência contra a mulher, porque elas se protegem, têm redes de proteção social. A gente tem que aprender com elas. Eu estou disposta a aprender.
Broadcast/Coluna: A esquerda perdeu a habilidade de falar com o pobre?
A sociedade mudou. Não adianta ter a retórica da década de 80, que tem um protagonismo dos metalúrgicos. Hoje, eles são uma parte, mas você teve um crescimento brutal na área de serviços. Acho que o PT sofreu um processo violento com o impeachment da Dilma, com a prisão do Lula, e está em reconstrução e rejuvenescimento. Olha a quantidade de mulheres jovens, pessoas negras, eleitos vereadores. Isso é irreversível.
Broadcast/Coluna: O PL se reelegeu em duas capitais e está no segundo turno em nove. O povo quer Bolsonaro de volta?
Não. Acho que o Bolsonaro não é mais a liderança da direita brasileira. Há uma disputa. Tem o Tarcísio, o Pablo Marçal. Não acho que a direita esteja organizada. Nós temos o propósito de reeleger o presidente Lula, então, estamos bem organizados.
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