A bancada conservadora na Câmara dos Deputados resgatou um projeto de Clodovil Hernandez (1937-2009) e inverteu a ideia do ex-deputado, traçando uma estratégia para avançar contra a união homoafetiva no Congresso. Os conservadores querem rejeitar a proposta original que é favorável à união gay e aprovar um texto proibindo a equiparação de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo ao casamento ou a entidade familiar.
O que dizem os projetos
O projeto de Clodovil, o PL 580/2007, admite que duas pessoas do mesmo sexo podem constituir união homoafetiva por meio de contrato e prevê que esses casais terão os mesmos direitos que os heterossexuais. Ao texto, foram juntados oito propostas que versam sobre o tema.
No parecer do relator, o deputado Pastor Eurico (PL-PE), todos os textos são rejeitados, menos o PL 5167/2009. Esse projeto determina que “nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar.”
Eurico tenta justificar: “A Carta Magna brasileira estabelece em seu art. 226 que a família, base da sociedade, com especial proteção do Estado, reconhece a união estável como entidade familiar apenas entre homem e mulher. Nesse diapasão, qualquer lei ou norma que preveja união estável ou casamento homoafetivos representa afronta direta à literalidade do texto constitucional”.
No entanto, em maio de 2011, de forma unânime, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.
O relator das ações, ministro Ayres Britto (aposentado), ressaltou que a Constituição veda qualquer discriminação em razão de sexo, raça, cor e que garante à família, “base da sociedade”, a proteção especial do Estado. Em seu voto disse que trata-se da família “em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heterossexuais ou por pessoas assumidamente homoafetivas”.
Comissão é dominada por conservadores
Os parlamentares conservadores não acreditam que o texto final prospere no plenário da Câmara, mas afirmam que o objetivo final é criar um fato político para questionar uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconhece a união homoafetiva.
Esses projetos serão votados às 10h da próxima terça-feira, 5, na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF). A pauta foi confirmada à Coluna pelo presidente do colegiado, o deputado Fernando Rodolfo (PL-PE).
A Comissão é dominada por conservadores. Três bolsonaristas compõem a mesa: Fernando Rodolfo é o presidente; Filipe Martins (PL-TO), primeiro vice-presidente; e Rogéria Santos (Republicanos-BA), segunda vice-presidente.
Além do domínio da mesa e, consequentemente, da pauta, os conservadores também possuem maioria dos votos na comissão. Eles representam pelo menos dez dos 17 titulares da comissão.
“Quem faz lei no Brasil é o Congresso Nacional, não é o Supremo Tribunal Federal, não pode ser uma jurisprudência. Espero na terça-feira um debate maduro entre a esquerda e a direita, e abriremos o plenário para os movimentos que quiserem acompanhar a reunião”, disse Fernando Rodolfo.
A deputada federal Juliana Cardoso (PT-SP) reagiu e alertou para o retrocesso que está sendo articulado. “Não reconhecer a união homoafetiva, que é uma realidade no Brasil e no mundo, é um retrocesso. Se a matéria for rejeitada, estaremos negando direitos e excluindo as pessoas por causa de suas relações. Todo ser humano deve ser dotado de direitos e garantias fundamentais, e reconhecer a união homoafetiva, no rol de direitos, é essencial para o exercício da cidadania e para trazer dignidade indistintamente”, comentou.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.