A vitória de Javier Milei nas primárias argentina, uma espécie de termômetro da eleição presidencial do país vizinho, acendeu a luz amarela no governo Lula. Nos bastidores, integrantes do Ministério de Relações Exteriores e do Palácio do Planalto desabafam surpresa com o resultado do “Bolsonaro dos hermanos”, nas palavras de uma fonte ouvida pela Coluna. E temem impacto político relevante para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva caso Milei seja, de fato, eleito para chefiar um importante aliado do Brasil.
Um primeiro risco apontado, na visão do governo Lula, é a possibilidade de uma eventual vitória da direita do outro lado da fronteira contaminar o restante da América do Sul. Por enquanto, Milei saiu à frente apenas nas prévias. Os países da região têm um histórico de ondas ideológicas comuns, e a tração da direita no processo eleitoral poderia sinalizar um ciclo difícil para a esquerda no continente.
O segundo risco detectado é a ameaça trazida ao projeto de integração regional do governo Lula, com destaque para o fortalecimento do Mercosul. Javier Milei, que se declara um “anarcocapitalista”, é favorável à extinção do bloco sul-americano.
O terceiro risco é o pior resultado do peronismo nos últimos 12 anos levar o governo de Alberto Fernández a uma espécie de “tudo ou nada”, intensificando os clamores para o Brasil oferecer algum tipo de ajuda econômica que impeça uma derrota acachapante da esquerda local. O candidato do governo argentino é o ministro da Economia, Sergio Massa, que já virou piada nos bastidores do governo por seus pedidos exagerados de socorro - e com pouco fundamento.
Governo ainda vê espaço para cenário eleitoral diferente na Argentina
Apesar do prognóstico considerado desafiador para a esquerda, integrantes do governo ouvidos pela Coluna entendem que o resultado da eleição argentina não está dado. Uma possibilidade seria a candidata da direita um pouco mais moderada em relação a Milei, Patricia Bullrich, chegar ao segundo turno e vencer Milei também com os votos conferidos a Massa.
Nas contas de um auxiliar do governo, para o Brasil é melhor ter Patricia Bullrich à frente da Argentina do que Milei.
Lula busca formas de ajudar Argentina a partir de um cálculo político
Desde o início do ano, Lula tem buscado formas de ajudar a Argentina a sair da crise. Por orientação do presidente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, intercedeu pessoalmente à secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, por um alívio do Fundo Monetário Internacional (FMI) às dívidas argentinas. A conversa se deu às margens da cúpula do G7 financeiro, em Niigata, no Japão.
O governo brasileiro ainda negocia no exterior as garantias para uma linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) às empresas brasileiras que exportam à Argentina. Lula pediu à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), atual presidente do Banco dos Brics, que viabilizasse essas garantias, mas o estatuto da instituição veda ajuda a países de fora do bloco.
Lula sabe que o tamanho de uma eventual vitória da direita na Argentina pode transbordar para toda a América do Sul. Com a economia em frangalhos, cenário sempre desfavorável para o governo de plantão, a Argentina vai às urnas um ano antes da eleição municipal brasileira, por vezes um “aperitivo” da disputa presidencial de 2026.
Na leitura do Palácio do Planalto, uma eventual derrota amarga da esquerda na Argentina pode contaminar o 2024 no Brasil. E pode, assim, dificultar ainda mais um hexacampeonato petista em 2026.
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