Depois de o Congresso derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao fim das saidinhas, a aplicação prática da nova lei traz uma preocupação imediata ao secretário de Políticas Penais do Ministério da Justiça, André de Albuquerque Garcia. E ela não tem a ver com rebeliões nos presídios, mas sim com a verba necessária para arcar com o exame criminológico, que por decisão do Congresso será obrigatório para progressão de pena.
“Isso envolve um custo elevadíssimo nos Estados, de contratação de equipes multidisciplinares para a realização desses exames”, alertou Garcia em entrevista à Coluna do Estadão. A obrigatoriedade do teste, porém, sequer vetada pelo presidente Lula. No exame criminológico, o detento é ouvido por uma equipe multidisciplinar, que traça o perfil psicológico da pessoa.
O secretário alega que o Fundo Penitenciário Nacional já está altamente comprometido e, por isso, programas podem ser descontinuados por falta de orçamento. Ele cita como exemplos o monitoramento de presos nos Estados e a política nacional de atendimento ao egresso, que acompanha os ex-detentos para garantir sua ressocialização nos primeiros 90 dias fora da prisão.
Confira a entrevista completa:
Como o senhor avalia a derrubada do veto do presidente Lula ao fim da saída temporária dos presos?
Era um resultado, infelizmente, esperado, diante da atual conjuntura e da composição do Congresso. É uma decisão soberana do Legislativo, embora eu tenha posição contrária. Acredito no sistema progressivo da execução penal. Apesar de o governo ser progressista, não há ingenuidade, não fechamos os olhos para casos que aconteceram nas saídas temporárias. Não acreditamos que todos os presos vão se recuperar, mas a obrigação do Estado é oferecer oportunidades. O melhor caminho é tentar aperfeiçoar a saída temporária, não extingui-la.
E como ficam os presos com a derrubada do veto?
Estamos avaliando o impacto nos sistemas prisionais dos Estados. Não haverá impacto no sistema penitenciário federal, em que não há progressão de regime, pois nossas unidades são de segurança máxima.
O ministro do STF André Mendonça decidiu que a mudança na lei não vale para os atuais presos. Qual o impacto? A decisão acaba com chances de rebeliões?
O ministro André Mendonça proferiu uma decisão muito equilibrada. De certa forma, minimiza o impacto imediato. (O fim da saidinha) gera tensionamento nas prisões. Mas o maior problema será pela questão do exame criminológico, que será obrigatório para as progressões de pena. Isso envolve um custo elevadíssimo nos Estados, de contratação de equipes multidisciplinares para a realização desses exames.
Estou consultando os Estados. Avaliamos que o Espírito Santo, por exemplo, onde eu fui secretário, passará de 800 exames por ano, feitos facultativamente ou por determinação judicial, para 5 mil. É um Estado pequeno, com população prisional de 23 mil presos. Imagino que em São Paulo o impacto vai ser muito maior.
Há recurso suficiente?
Vai depender da saúde financeira dos Estados. Isso, sim, pode gerar um tensionamento. À medida que atrasam as progressões de pena, os Estados terão que administrar esse problema internamente. A progressão, então, vai depender do Judiciário, do Ministério Público etc. Precisam dizer se o não cumprimento do exame obrigatório, por parte do Estado, acarretará um prejuízo para o custodiado.
Como o problemas em presídios estaduais afetam o governo federal?
Eventualmente, em caso de descontrole no sistema, temos que ajudar na segurança. Se houver um descontrole sistêmico, provavelmente vai nos impactar.
Os Estados podem pedir recursos ao governo federal para fazer esses exames?
É possível, mas não posso atender a todos. Não temos recursos suficientes no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). O Orçamento previsto para 2024 é de R$ 360 milhões. Em 2016, era R$ 1,9 bilhão. Estamos trabalhando na recomposição, há um esforço do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, junto ao Ministério da Fazenda. Estamos estudando outras alternativas de financiamento. Precisamos, minimamente, voltar ao patamar de 2016.
Temos também uma agenda legislativa para evitar novos projetos que acarretem em aumento de atribuições do sistema penitenciário sem fonte de financiamento. O Fundo Penitenciário não comporta mais qualquer tipo de política nova. Alguns programas, inclusive, podem ser descontinuados por falta de custeio, como o monitoramento eletrônico de presos e a Política Nacional de Atendimento ao Egresso.
O que poderia ser uma fonte de custeio, além do Funpen?
Um porcentual de arrecadação de loterias federais, por exemplo.
O senhor é contra a privatização de presídios?
A autonomia federativa precisa ser respeitada, os Estados podem adotar o modelo que quiserem. Mas a privatização não será fomentada pelo governo federal. Eu não tenho preconceito com a terceirização, mas ela é incompatível com questões importantes, como o enfrentamento ao crime organizado.
O que ficou de aprendizado após a fuga do presídio de segurança máxima de Mossoró?
Foi algo único e irrepetível. Houve falha de procedimento de segurança, um certo relaxamento no cumprimento dos protocolos, mas é algo já corrigido. A Penitenciária Federal de Mossoró hoje é outra, sob todos os aspectos.
Vamos aumentar os nossos investimentos, por isso que um Fundo Penitenciário robustecido é importante. Vamos elevar o padrão de segurança nas cinco penitenciárias federais. Construir muralhas, instalar sensores de movimento, térmicos e sísmicos, além de implementar cercamento eletrônico e utilização de drones. Vamos lançar o edital para a aquisição dessas soluções, no valor de R$ 30 a R$ 40 milhões.
Como o senhor avalia a PEC das Drogas?
Colocar na vala comum o consumidor e traficante não é uma estratégia inteligente. Você realiza prisões desnecessárias, aumentando a quantidade da população prisional e, consequentemente, essas pessoas vão recorrer ao crime por proteção. A PEC só contribui para aumentar a quantidade de recrutados de facções criminosas e não resolve o problema, ela agrava o problema da crise do sistema penitenciário nacional.
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