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Roseann Kennedy traz os bastidores da política e da economia. Com Eduardo Barretto e Iander Porcella

Futuro presidente da Anfavea quer ‘sim ou não’ no imposto de importação do carro elétrico

Executivo assume em abril a presidência da Anfavea, associação das montadoras de veículos

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Foto do author Roseann Kennedy
Foto do author Eduardo Laguna
Atualização:

Primeiro executivo contratado do mercado para presidir a Anfavea, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos, Igor Calvet toma posse do cargo no mês de vem determinado a dar um basta no crescimento da importação de carros chineses. Logo de partida, quer uma resposta definitiva para saber se governo vai antecipar ou não a cobrança das alíquotas cheias (35%) do imposto de importação dos carros híbridos e elétricos, que vêm, em sua maioria, da China. O pleito foi levado há seis meses para a Camex.

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”A partir do momento em que eu assumir de fato a Anfavea, será uma cobrança minha em relação ao governo, obviamente muito respeitosa, mas para que alguma decisão seja tomada. Ou sim, ou não”, disse o executivo, que será o segundo presidente mais novo da história da Anfavea, em entrevista à Coluna do Estadão.

Em tom de crítica, Calvet ressaltou que, embora tenham anunciado investimentos e comprado fábricas que estavam desativadas, as montadoras chinesas não iniciaram produção no País, sendo que uma, recentemente, adiou a inauguração.

Além do pedido de recomposição total imediata do imposto de importação sobre os automóveis eletrificados, a Anfavea, conta Calvet, deve concluir nas próximas semanas a análise de viabilidade de um pedido de investigação sobre a prática de dumping dos carros chineses no Brasil. Ele antecipa que, em dois meses, a entidade provavelmente vai concluir um estudo sobre a competitividade dos veículos brasileiros em mercados da América Latina, onde as montadoras também perdem espaços para os asiáticos.

Além da concorrência com os chineses, o cenário de insegurança econômica no Brasil preocupa o setor. Juros altos reduzem a venda de veículos leves, pesados e máquinas. “Se não tiver agenda de ajuste fiscal, e aí eu não sei precisar qual é a magnitude, mas o setor vai ser impactado, sobretudo no ano que vem, porque a expectativa de juros não vai ceder. Eu não acho que vai chegar ao fechamento de fábricas, mas terá diminuição da demanda”.

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Confira abaixo os principais pontos da entrevista

Igor Calvet, novo presidente da Anfavea, que tomará posse em 21 de abril Foto: Lula_Lopes

O senhor assume no dia 21 de abril, num momento de insegurança no cenário econômico, com inflação e juros altos. Até que ponto isso esmaga a indústria do automóvel?

O cenário econômico atual não tem impedido o crescimento, mas porque o crescimento do setor estava represado. Viemos de um período de baixa muito grande por causa da pandemia. Em 2013, tivemos um mercado de 3,8 milhões de veículos. No ano passado bateu 2,6 milhões. Estamos chegando nos níveis pré-pandemia agora. O setor cresceu, em 2024, em relação a 2023, 14,1% nos emplacamentos. A nossa produção cresceu quase 10%. Esse ano, a gente prevê ainda um crescimento do setor, mas provavelmente metade do que foi ano passado. Estamos prevendo entre 6% e 7% de aumento. Então você está dizendo que vai ser tudo muito bem? Não, não vai ser tudo bom. O setor vai continuar crescendo, mas porque vem de uma base ruim e represada.

E o impacto deste cenário econômico atual?

O cenário atual, no mínimo, impede um crescimento maior. Em que sentido? Uma

de juros de 15%, que é o que a gente esta esperando, talvez 14,5% ou 15% no final do ano, é ruim para todos os segmentos da Anfavea. Temos pesados (ônibus e caminhões), leves e máquinas agrícolas e rodoviárias. Para os três segmentos, que são mercados completamente distintos, juros é fundamental. É preciso a prestação caber no bolso. Nesse mercado de pessoa física, houve um incremento de 30% no crédito no ano passado. Mas o apetite do banco cresce enquanto a inadimplência não crescer. Ainda vemos um espaço nesse ano para um pequeno crescimento do crédito. Mas o crédito de todo ano passado e até o começo desse ano, em várias compras que estão sendo feitas, não captura os juros futuros mais altos que estamos falando.

E quando passar a captar esse juro futuro?

Aí eu acho que a curva começa a se inverter, a inadimplência pode começar a ficar mais alta e aí a gente tem um represamento do crédito. Acho que para o ano que vem já tem esse perigo, se a economia não der conta de reduzir juros, inflação também. Ajuste fiscal é fundamental para isso. Se não tiver agenda de ajuste fiscal, e aí eu não sei precisar qual é a magnitude dessa agenda, o setor vai ser impactado, sobretudo no ano que vem, porque a expectativa de juros não vai ceder.

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Será impactado ano que vem principalmente onde? Porque a gente vem de uma sequência de fechamento de fábricas.

Eu não acho que vai chegar ao fechamento de fábricas no Brasil ainda, e aliás, eu vou ter que trabalhar contra isso todos os meus dias. Mas eu digo em diminuição da demanda. O setor de máquinas agrícolas, por exemplo, tem o Plano Safra, que em geral tem uma equalização das taxas de juros. Mas se imaginar que a Selic vai ser 15%, 14,5%, 14,25%, é muito alto. O governo vai precisar equalizar muito. Se o produtor rural não tiver garantia, por exemplo, de uma boa safra, ou se o preço das commodities não for bom, ele adia investimento. Mesma coisa para grandes frotistas do setor de caminhões. A venda de caminhões é feita assim: se o PIB vai bem, venda de caminhões vai bem. Se a economia está crescendo, você tem gente investindo, caminhão rodando, e aí o pessoal aumenta a frota.

Há algum outro temor no setor?

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Hoje há diminuição da demanda não só no Brasil, como no mundo. Mas temos também a entrada de novos competidores no mercado, com novas marcas chegando a cada dia. Então o mercado absorve mais marcas. Só que com volumes cada vez menores. Temos que fazer o bolo crescer para todo mundo continuar agindo. Então, quando vemos um cenário econômico difícil, um cenário geopolítico difícil, novas marcas entrando e a demanda diminuindo, no fundo, seguramos um, dois, três, quatro anos. No fim das contas, é ruim para todo mundo.

China hoje é a dor de cabeça de vocês, para a indústria nacional de automóveis?

Não tem nada para ser contra a China, eu sou a favor da China. A Anfavea não terá discriminação com empresa de nenhuma origem de capital. Pode ser chinês, belga, americano, pode ser holandês. Os nossos associados, majoritariamente, são de capital estrangeiro. O que eu tenho dito é o seguinte: o limite do nosso ânimo com marcas é a capacidade que elas têm de vir aqui e produzir no País. Somos a associação dos fabricantes e não a associação dos importadores. Se vem para o Brasil, cumpra-se o que foi prometido, o investimento prometido. Produza aqui. Eu não posso aceitar que venham apenas usufruir do mercado brasileiro sem as contrapartidas ou mesmo sem a mesma estrutura que nós temos aqui de custos. Porque vivemos em um País com seus altos e baixos durante décadas. A China pode ser solução. Se vier, fizer o investimento. Hoje em dia, as empresas chinesas, sobretudo de veículos leves, não estão na Anfavea porque nenhuma delas ainda produz no País. Inclusive, recentemente, uma delas anunciou uma nova postergação do início da fabricação no País.

Vocês solicitaram à Camex para antecipar a retomada integral do imposto de importação dos veículos elétricos. Como está esse pleito?

De outubro para cá, esse tema tem sido retirado da pauta de discussões da Camex, mensalmente. Isso nos preocupa demais. A partir do momento em que eu assumir de fato a Anfavea, será uma cobrança minha em relação ao governo, obviamente muito respeitosa, mas para que alguma decisão seja tomada. Ou sim, ou não. Estamos aqui num processo de muita insegurança. Vários mercados já se fecharam, Canadá tem 106% de tarifa, Estados Unidos, 100%, Europa está chegando a 48%, a Índia, 75%.

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Vocês falam em insegurança no mercado sem decisão sobre a antecipação das tarifas, mas o escalonamento já estava programado. O que mudou?

O que mudou é que eles anteciparam as importações, em volume que não estava no radar, para aproveitar a tarifa mais baixa. Então precisa antecipar o aumento da taxação. Para você ter uma ideia, só da China, importamos 40 mil veículos em 2023. Em 2024, importamos 120 mil. Cresceu três vezes em um ano. Estimamos um estoque de 40 mil veículos. Fica no estoque e chega ao fim do ano precisa vender. Está vendendo o carro aqui com preço inferior ao que vende no mercado de referência? É essa investigação que estamos fazendo. Porque, se ocorre isso, tem um dano à indústria nacional muito forte. E pode, inclusive, sair do mercado por conta de uma atitude dessa por um tempo prolongado.

Será possível manter os investimentos que vocês programaram em novas tecnologias?

Nós anunciamos, em 2024, R$ 180 bilhões de investimento em diversificação da nossa linha de produção, linha de produtos. Para quê? Para essas novas tecnologias entrarem e você manter o mercado aqui completamente aberto. E aí a pergunta que eu faço é quantos de nós, com esse cenário, vão continuar mantendo e concretizando os seus investimentos? É um ponto importante que eu acho que tem que ficar no radar do governo brasileiro. Nas próximas semanas também, possivelmente, estamos finalizando análise de viabilidade para entrar com um pleito de antidumping, medidas antidumping. Muito provavelmente nos próximos dois meses, oito semanas, um estudo de competitividade nas exportações.

O que levou a esse estudo de competitividade de exportações?

Nós estamos perdendo participação no mercado que tradicionalmente era das nossas exportações. Nós temos plantas aqui no Brasil e exportávamos para os países: Colômbia, México, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile. Vamos descobrir nas próximas oito semanas a estimativa do que podemos fazer pra retomar esses mercados. Para isso, no mercado automotivo, precisamos muito do governo. O governo tem que ter um plano de exportação vinculado à política industrial. Não adianta você publicar o Mover [programa de estímulos às montadoras] e não ter uma visão de exportação vinculada a esse plano industrial. Porque aí fica faltando uma perna.

O que o governo poderia fazer, por exemplo?

Esse mercado é extremamente regulado por acordos internacionais. Só conseguimos exportar, por exemplo, para Argentina porque existe um acordo de complementação econômica específico. Só conseguimos exportar ao México porque tem um acordo específico. Então abrir mercados e fortalecer, e melhorar os acordos, é fundamental. Ouvi uma história de que eventualmente há a tentativa de diminuir índices de conteúdo regional desses acordos. Nós somos contra isso, porque você pode estar triangulando mercados, permitindo que outros fabricantes de outras origens vão lá. Porque diminui o índice de coisas produzidas na região. Isso nós somos contrários.

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