Depois de uma espécie de treinamento com assessores diplomáticos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um roteiro pronto para sua conversa com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski. Quer ouvir o que de novo o contraparte tem a dizer sobre o conflito e reiterar a posição brasileira no assunto - o País quer trabalhar pelo fim da guerra, mas sem tomar um lado. A reunião está marcada para esta quarta-feira (20), no hotel em que Lula está hospedado em Nova York.
O próprio fato de a reunião com Zelenski ter sido marcada no hotel de Lula é considerada, ao menos no entorno do presidente, como um sinal de que a relação entre Brasil e Ucrânia estaria mais azeitada. Em maio, durante a cúpula do G7 em Hiroshima, um dos impasses que inviabilizaram a reunião entre os dois presidentes foi justamente o local: Zelenski alegava riscos de segurança no deslocamento ao hotel do brasileiro, enquanto Lula temia uma mensagem equivocada de parcialidade caso se dirigisse ao presidente ucraniano, maior interessado na conversa.
De acordo com negociadores diplomáticos, o petista quer “ouvir o que Zelenski tem a dizer” sobre a guerra, e obter atualizações - da perspectiva ucraniana - em torno do conflito iniciado pela Rússia. Depois do “desencontro” na cúpula do G7, em Hiroshima, Lula e Zelenski se encontrarão nos Estados Unidos às margens da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Um auxiliar de Lula ressalta que a posição do governo brasileiro, que condena a invasão feita pela Rússia, é a de “escutar as partes” e “entender as avaliações de momento de cada um”. “O Brasil está à disposição para falar de paz, quando as partes entenderem que é a hora”, afirmou à Coluna essa fonte diretamente envolvida com as conversas junto à Ucrânia.
Lula passa por ‘preparação’ antes de encontro com Zelenski
Para a primeira reunião bilateral entre Lula e Zelenski, o presidente brasileiro - entre um compromisso e outro em Nova York - se prepara em conversas reservadas com o chefe da assessoria internacional da Presidência, Celso Amorim, e com o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), articulou a confirmação da agenda junto ao cerimonial do presidente, e pode participar do encontro com Zelenski.
Integrantes da comitiva brasileira em Nova York nutrem boa expectativa para a agenda, combinada informalmente na ligação de vídeo entre os presidentes em março. Na semana passada, o chanceler ucraniano Dmytro Kuleba, telefonou para Mauro Vieira para reiterar o interesse na conversa, que então foi marcada após um quebra-cabeça de horários nesta semana entre os dois governos.
Pedido por armas pode azedar reunião? Comitiva minimiza hipótese
Se entre integrantes do Palácio do Planalto comenta-se que o clima na reunião pode azedar se o presidente da Ucrânia fizer um pedido tácito a Lula por armas, na comitiva brasileira a hipótese é prontamente minimizada. Isso porque a posição do País seria conhecida, e contrária a qualquer ajuda bélica.
O presidente, desinteressado em qualquer participação bélica na guerra, costuma dizer a aliados que vê o contraparte mais interessado em rodar o mundo atrás de armas e recursos do que propriamente em buscar um caminho diplomático rumo a um cessar-fogo.
Não que Zelenski nutra esperança de que Lula ajudaria a Ucrânia com armas. Mas o ex-comediante pode acabar por criar uma saia-justa para o presidente, que - reconhecem até mesmo integrantes do Itamaraty - costuma derrapar ao defender a posição de “neutralidade” e “não-alinhamento” do Brasil.
Relembre o desencontro entre Lula e Zelenski no G7, no Japão, em maio
Em maio, no G-7 em Hiroshima, a delegação brasileira chegou a negociar o encontro com a contraparte ucraniana, mas as tratativas não prosperaram. O motivo dado pelos dois governos foi uma “incompatibilidade de agendas”.
Na cidade japonesa, jornalistas chegaram a ser convocados para uma sala em que havia duas bandeiras, uma do Brasil e outra da Ucrânia, uma sobre a outra, como registrou o Estadão naquela oportunidade. A principal hipótese é que elas foram sido postas sobre a mesa para desamassar antes de serem hasteadas na sala de reuniões de Lula.
Um dia depois, em coletiva de imprensa, Lula afirmou que a proposta da Ucrânia era a rendição da Rússia. “Zelenski é maior de idade, ele sabe o que faz. Se não deu certo nessa oportunidade, vai dar certo em outra”, disse o presidente na ocasião. “Gostaria de encontrar com ele e discutir. Rússia e Ucrânia em algum momento vão saber que é preciso negociar”.
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