Segunda-feira, 4 de novembro. A mando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia acabado de cancelar uma viagem à Europa. O real despencava e os juros futuros subiam. O mercado cobrava medidas de ajuste fiscal. Havia quem acreditasse que o anúncio dos cortes poderia ser naquele dia. Na sexta-feira anterior, 1º, o dólar havia passado de R$ 5,80.
Corta para hoje, quinta-feira, 7 de novembro: Lula discute há dias os cortes com seus ministros e nada de o pacote ser divulgado. Quem apostou em um anúncio na segunda-feira levou prejuízo. O caso dessa semana é coerente com a praxe política do presidente da República e ensina duas lições sobre o petista: 1) ele aceita discutir, e até encampar, medidas que o desagradam; 2) mesmo pressionado, faz isso no tempo dele.
A primeira lição já poderia ter sido apreendida no meio do ano. Havia discussões sobre uma contenção de despesas do governo. Na época, Lula deu uma entrevista à Record - que foi vazada para corretoras - dizendo que ainda precisava ser convencido dos cortes. O pânico tomou conta da Faria Lima. Dias depois, Haddad anunciou cerca de R$ 15 bilhões em contenções.
É impossível compreender Lula sem separá-lo em dois atores sociais distintos: o militante de esquerda e o presidente pragmático. O militante sempre falará publicamente contra a austeridade fiscal. É isso que ele prega desde os anos 1970. O presidente pragmático sabe que se as contas públicas saírem do controle o dólar sobe, a inflação escala e sua popularidade derrete.
É muito provável que ele faça os cortes discutidos, mas jamais dará declarações eufóricas sobre o assunto. Isso o faria arriscar o posto de líder inconteste da esquerda. Assim como fez da outra vez, deverá terceirizar o desgaste público do ajuste para Haddad. O ministro da Fazenda já é chamado de “fiscalista” por setores do PT.
A segunda lição, sobre o tempo em que as decisões são tomadas, toca em um ponto sagrado para Lula. O petista encara a capacidade de escolher quando tomará determinada medida como um poder inalienável da Presidência da República. Isso ficou claro na reforma ministerial de 2023. O Centrão pressionou por semanas para entrar no governo. Lula conversou diversas vezes com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e nada fez. Só colocou Silvio Costa Filho (Republicanos) no Ministério dos Portos e Aeroportos e André Fufuca (PP) no Ministério do Esporte quando se sentiu confortável. Se tivesse feito as nomeações mais rapidamente, teria demonstrado fraqueza e incentivado as demais forças políticas a colocar a faca em seu pescoço no futuro.
Além disso, o provável ajuste fiscal envolve alguns dos pesos-pesados do grupo político de Lula. Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão) estudam formas de tirar dinheiro dos ministérios de Nísia Trindade (Saúde), Camilo Santana (Educação), Wellington Dias (Desenvolvimento Social), Carlos Lupi (Previdência) e Luiz Marinho (Trabalho).
Camilo é o principal responsável pelo melhor resultado do PT na eleição municipal deste ano. Dias comanda o partido no Estado que mais deu votos a Lula em 2022 do ponto de vista proporcional. Marinho é aliado e amigo do presidente da República há décadas, desde o movimento sindical. Além disso, todas essas Pastas são centrais para a identidade política do lulismo. Enfraquecê-las é algo muito delicado.
Lula provavelmente fará ajustes nesses ministérios mesmo assim, mas antes há um processo, já em andamento, para reduzir os estresses. Essas disputas são normais em governos e de certa forma até estimuladas por Lula. Na primeira passagem do petista pelo Planalto, ficaram famosas as querelas entre os hoje mitológicos ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda). Dessa vez, Fazenda e Casa Civil estavam afinadas. Haddad fez o possível para blindar a proposta dos outros ministros, por isso passou semanas convencendo Lula da necessidade do ajuste.
Com quase dois anos de governo já transcorridos e outros dois à frente, convém aos operadores do mercado entenderem que a política manda na macroeconomia, não o contrário. Quem conseguir mais rapidamente fazer análises por esse prisma perderá menos dinheiro desnecessariamente.
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