A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar o orçamento secreto tem impacto direto na relação entre o futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o Congresso. Mesmo com placar apertado, de 6 a 5, a Corte resolveu pôr um freio na distribuição de recursos de emendas parlamentares sem critérios, surpreendendo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Desnorteado, o Centrão ainda ameaça dar o troco em votações no plenário da Câmara, mas é nítido, agora, que Lula tem o Supremo como aliado.
Visto como instrumento de barganha por partidos desse bloco, para apoiar Jair Bolsonaro, o orçamento secreto foi revelado pelo Estadão em uma série de reportagens, a partir de maio do ano passado. Ganhou cada vez mais força nos últimos tempos e, após a eleição, virou uma oportunidade de ouro para pôr a faca no pescoço de Lula. Trata-se da nova versão do “é dando que se recebe”, a forma mais explícita de chantagear o Palácio do Planalto.
Não foi à toa que Lira adiou o julgamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição para esta terça-feira, 20, na tentativa de aguardar o resultado do julgamento do Supremo.
“Eu não sou pai de santo nem João de Deus”, disse Lira em reunião com líderes de partidos, na noite da última quarta-feira, 14, na residência oficial da Câmara. Na ocasião, o deputado afirmou que, a exemplo de um médico, precisava de “instrumentos” para garantir votos ao governo Lula e aprovar a PEC da Transição no plenário. Leia-se aí cargos em ministérios para aliados, como Minas e Energia e Saúde, além dos recursos do orçamento secreto.
Em conversa com o presidente eleito, neste domingo, 18, Lira admitiu ter dificuldades para conseguir os 308 votos necessários à aprovação da PEC da Transição. A proposta permite ao Planalto aumentar as despesas em R$ 168 bilhões, por um período de dois anos, com o objetivo de pagar o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo.
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Mas o que isso tem a ver com o orçamento secreto? Na prática, todas as pontas desta história estão interligadas. Na noite de domingo, 18, por exemplo, o ministro do STF Gilmar Mendes criou uma espécie de vacina contra a revolta do Centrão e, atendendo a um pedido da Rede – partido aliado de Lula –, decidiu que recursos para bancar o Bolsa Família devem ficar fora do teto de gastos.
Com isso, o futuro governo ganha fôlego financeiro para arcar com essas despesas, caso Lira e o Centrão resolvam promover retaliações no plenário da Câmara, diminuindo o valor e o prazo de validade da PEC que dá a Lula uma licença para gastar. Esse seria o troco ao resultado do julgamento do orçamento secreto. Nos bastidores, aliados de Lula dizem que Lira “cobra por corrida”.
Candidato à reeleição, o presidente da Câmara fez e fará de tudo para salvar o orçamento secreto. Foi vencido no STF, mas vai tentar encaixar a verba, por meio de emendas de comissão, durante a análise da PEC ou até mesmo do Orçamento da União para 2023.
Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski disse que “apesar dos esforços, o Congresso não conseguiu se adequar às exigências da Suprema Corte”. Os magistrados perceberam que nem mesmo o projeto de resolução do Congresso, aprovado às pressas na sexta-feira, 16, para “disciplinar” a distribuição das emendas, impede a captura dos recursos pelas cúpulas da Câmara e do Senado.
Lewandowski é próximo de Lula e sua decisão foi interpretada por Lira e pelo Centrão como uma interferência do presidente eleito para barrar de vez o orçamento secreto. Como se vê, os próximos dias na capital da República prometem uma queda de braço que pode se estender pelos primeiros meses do governo Lula, com desfecho imprevisível.
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