Colunistas do Estadão avaliaram o impacto eleitoral da prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro no âmbito da investigação sobre o sobre o “gabinete paralelo” instalado na pasta – caso revelado pelo Estadão.
Para Carlos Pereira, o episódio evidencia “a independência das organizações de controle do governo” e “será muito difícil” o presidente Jair Bolsonaro “não sofrer desgastes políticos” com o caso. William Waack avalia que embora o discurso de campanha do presidente não dependa do respeito à veracidade dos fatos, “o eleitorado não bolsonarista tem sido pouco seduzido pelas táticas políticas eleitorais de um presidente que está claramente perdendo as chances de se reeleger”.
João Gabriel Lima vê no caso um obstáculo para Bolsonaro usar a retórica anticorrupção para se desviar de outro tema de desgaste para o governo na campanha eleitoral: a economia. Felipe Moura Brasil lembra o fato de o presidente ter dito que colocaria a “cara no fogo” pelo então ministro e agora declarou que ele deve responder por seus atos. “O episódio apenas confirma que ninguém queima Bolsonaro como ele próprio.”
Na mesma linha, Vera Rosa destaca que o presidente “tenta agora se desvincular do ex-auxiliar numa estratégia sob medida para não sair totalmente queimado na corrida pela reeleição”. Renata Cafardo, por sua vez, ressalta que, enquanto isso, “o Brasil vive sua maior crise educacional, em um retrocesso de aprendizagem nunca visto e com consequências imprevisíveis para o futuro da Nação”. É o que José Roberto Guzzo encara como uma “tragédia”. “A educação pública no Brasil vive possivelmente os piores momentos que já teve em muitos anos; está entre as mais infames do mundo e, além disso, como se vê agora, é assaltada por quadrilhas de corruptos.”
Leia a seguir:
William Waack
O discurso eleitoral de populistas como Bolsonaro não depende de coerência entre promessas e ações ou respeito à veracidade objetiva dos fatos. Nesse sentido, o “mito” nunca erra, é apenas a “vítima” de “traições”, como o comportamento de um ministro pelo qual disse que poria a cara no fogo. Por uma série de razões, especialmente ligadas à economia, o eleitorado não bolsonarista tem sido pouco seduzido pelas táticas políticas eleitorais de um presidente que está claramente perdendo as chances de se reeleger.
Leia as colunas de William Waack
Felipe Moura Brasil
A lamentável tolerância do eleitorado brasileiro com a corrupção em qualquer governo fica menor quando uma autoridade ligada a ele é presa em momento de crise econômica, como é o caso agora, turbinando, assim, o desgaste do presidente, cuja popularidade já vinha sendo afetada pelo preço dos combustíveis e pela inflação.
O esforço de contenção de danos de Jair Bolsonaro diante da prisão preventiva do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro começou, então, com a exploração dos mesmos métodos usados pelo PT quando petistas eram presos: o de vangloriar-se das supostas iniciativas do governo em prol de investigações e da suposta independência da Polícia Federal, duas alegações diversionistas que insultam a inteligência alheia.
Na verdade, o escândalo do “Bolsolão do MEC” foi revelado graças ao trabalho investigativo de repórteres do Estadão, não da CGU (Controladoria-Geral da União), como tentou alegar Bolsonaro; e a ordem de prisão veio do juiz Renato Borelli depois da imensa repercussão negativa que pressionou a PF a correr atrás da imprensa, inclusive em razão dos detalhes sórdidos que misturam exploração da fé e propina com Educação. As mais de vinte trocas de delegados que atingiram interesses bolsonaristas não se apagam com um caso sensível que, até o momento, ninguém conseguiu abafar.
Desgasta ainda mais Bolsonaro o fato de ter dito, em 22 de março, que colocaria a “cara no fogo” por Ribeiro, narrativa que se apressou em alterar após a prisão, dizendo “que ele responda pelos atos dele”. O episódio apenas confirma que ninguém queima Bolsonaro como ele próprio.
Leia as colunas de Felipe Moura Brasil
Carlos Pereira
Ao contrário dos que acreditam que a luta contra a corrupção acabou no Brasil, a prisão de Milton Ribeiro, ex-ministro da educação e pastor com fortes ligações ao presidente Bolsonaro e sua família, é mais uma evidência da independência das organizações de controle do governo e da capacidade de imposição de perdas aos que apresentem comportamentos desviantes. Em que pese Bolsonaro ter colocado “a cara no fogo” e agora prefira abandonar seu ex-ministro a sua própria sorte ao dizer que a Polícia Federal teve “um motivo” e que “ele que responda pelos seus atos”, será muito difícil Bolsonaro não sofrer desgastes políticos.
Leia as colunas de Carlos Pereira
João Gabriel Lima
O principal tema da próxima campanha eleitoral, segundo as pesquisas, será a economia. O presidente Jair Bolsonaro pontua mal nesse quesito, com a alta dos alimentos e dos combustíveis. Poderia tentar desviar o assunto para a corrupção, como fez em 2018 – mas agora não pode mais, por causa deste escândalo no coração de seu governo. Num país com as carências do Brasil, o ministério da Educação é o mais importante, ao lado da Economia. A Economia cuida do presente. Na Educação se gesta o futuro. O lamentável episódio envolvendo o ministro Milton Ribeiro, revelado pelo Estadão, atesta também o papel fundamental da imprensa no monitoramento das instituições democráticas.
Vera Rosa
A prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e a ofensiva contra pastores que transformaram o MEC em uma máquina de fazer negócios põem por terra o discurso de que não há corrupção no governo comandado por Jair Bolsonaro. Três meses depois de dizer que botava “a cara no fogo” por Ribeiro, Bolsonaro tenta agora se desvincular do ex-auxiliar numa estratégia sob medida para não sair totalmente queimado na corrida pela reeleição.
Com o escândalo batendo à porta do Palácio do Planalto, o presidente já se descolou de Ribeiro. Foi aconselhado pelo comando de sua campanha a recorrer à retórica da traição e deu o tom de como será a reação do governo. “Ele que responda pelos atos dele”, disse Bolsonaro, nesta quarta-feira, 22, em entrevista à Rádio Itatiaia, numa referência ao ex-ministro.
Antes amigo de fé, irmão, camarada, o evangélico Ribeiro tem tudo para virar o traidor da história, na versão do Planalto, com o intuito de salvar o chefe do Executivo. “Se a Polícia Federal prendeu, tem um motivo. É um sinal de que eu não interfiro na PF”, emendou Bolsonaro.
Leia a coluna: ‘Bolsonaro vai usar discurso de traição para se salvar de escândalo no MEC’
José Roberto Guzzo
A educação pública no Brasil vive possivelmente os piores momentos que já teve em muitos anos; está entre as mais infames do mundo e, além disso, como se vê agora, é assaltada por quadrilhas de corruptos. A polícia investiga a exigência e o pagamento de propinas, numa operação de tráfico de influência na distribuição de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para as escolas municipais. O ex-ministro Milton Ribeiro foi preso, por suspeitas de envolvimento no esquema. Treze mandados judiciais de busca e apreensão estão sendo cumpridos, em quatro Estados. Pastores evangélicos são denunciados por sua participação no roubo. É um fundo de poço – se fosse possível saber se este poço tem fundo.
Tudo o que o Brasil não precisa neste momento é exatamente isso que está acontecendo. Com as escolas fechadas durante dois anos, por conta dos “lockdown” anti-Covid, o número de crianças de seis e sete anos de idade que não sabem ler nem escrever aumentou de 1,4 milhão, em 2019, para 2,4 milhões em 2021. É uma tragédia. O Brasil está produzindo analfabetos, quando necessita desesperadamente fazer o exato contrário: dar à população ensino de melhor qualidade, com a transmissão dos conhecimentos hoje indispensáveis para que os jovens possam aspirar à uma vida profissional mais digna e contribuir com o bem-estar da sociedade. O país está imensamente atrasado nessa área – fica, a cada pesquisa internacional sobre situação do ensino, entre os piores do planeta.
Leia coluna: ‘Educação pública é assaltada por quadrilhas de corruptos’
Renata Cafardo
Enquanto isso, o Brasil vive sua maior crise educacional, em um retrocesso de aprendizagem nunca visto e com consequências imprevisíveis para o futuro da nação. Não era tão difícil tentar – ao menos – mudar esse destino. No País e no exterior, há inúmeros exemplos de experiências que ajudam a melhorar a qualidade do ensino, que fazem as crianças aprenderem, de fato, quando estão na escola. O dinheiro precisaria ser destinado a formar e avaliar professores, para alfabetização, para escolas em tempo integral.
Leia a coluna: ‘Com Bolsonaro e Milton Ribeiro, MEC terá corrupção como marca’
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