BRASÍLIA – A partir do julgamento na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que tornou Jair Bolsonaro réu por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente e seus aliados abriram dez frentes narrativas para criticar as decisões. Segundo pessoas do entorno de Bolsonaro, a diversidade de argumentações tem dificultado a formação de um único discurso a favor dos réus. Há aliados, no entanto, que consideram que a profusão de críticas aos atos do STF reforça o discurso político usado por Bolsonaro como vítima de perseguição.
Nos dois pronunciamentos de Bolsonaro na tarde de quarta-feira, 26, e nas redes sociais de aliados 24 horas após o fim do julgamento, houve acusações de que o processo se trata de uma perseguição ao ex-presidente; críticas ao foro do julgamento, ao direito de defesa considerado cerceado, à suposta suspeição dos ministros, às provas da investigação e às penas dos presos no 8 de Janeiro; a tese de que uma eventual condenação tem pano de fundo eleitoral; a defesa da inocência de Bolsonaro; desinformação; e um discurso comparando a gestão passada com a de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Para o senador Rogério Marinho (PL-RN), aliado próximo a Bolsonaro, as numerosas frentes abertas para compor o discurso de que o ex-presidente está mal compreendida. “Você tem aí um cardápio, e vai buscando os ingredientes que acha mais adequado para formatar o seu discurso”, afirma ele. “Se a sociedade está entendendo que se trata de uma perseguição, é a quem nós devemos nos voltar”.
Já o bolsonarista Paulo Figueiredo tem críticas à profusão de argumentos. Ele, que mora nos Estados Unidos e costuma atacar a conduta do ministro Alexandre de Moraes, publicou em rede social reparos às declarações de Bolsonaro após o julgamento na última semana.
“A ida de Bolsonaro ao STF tinha tido excelente repercussão. Passou enfrentamento, coragem e liderança. A ideia era hoje (dia 26), ao final do julgamento, ele ter a palavra final em uma coletiva de imprensa que dominaria os noticiários. Mas, impossível Bolsonaro manter uma boa estratégia por dois dias seguidos. Hoje, já desistiu de ir e cagou tudo. Vai dar uma entrevista sei lá onde, com a impressão de comportamento errático. É um ótimo homem, mas um péssimo estrategista. Não é à toa que estamos nesta merda de dar gosto”, escreveu o jornalista.
Bolsonaro, que foi ao Senado, no segundo dia, para assistir ao julgamento no gabinete de seu filho Flávio Bolsonaro (PL-RJ), centrou a maior parte de seu discurso em sua própria defesa e, saindo do roteiro planejado, em desinformação requentada de seus tempos de presidente. O Estadão identificou uma dezena de afirmações descontextualizadas, enganosas ou que repetiam boatos já desmentidos.
Em frente ao Senado, Bolsonaro expôs argumentos como o de, por exemplo, ter apoiado uma transição democrática para o governo eleito e de não ter tido intenção de criar o caos no País. Afirmou que não houve tentativa de golpe no 8 de Janeiro e que, se tivesse pretensão de permanecer indevidamente no poder, não teria deixado comandantes escolhidos por Lula assumirem.
Ele mencionou uma transmissão ao vivo, feita antes de voar para os Estados Unidos, em que teria defendido respeito à Constituição. E que nunca convocou os Conselhos da República e de Defesa Nacional — que seria, segundo ele, o primeiro passo caso quisesse assinar um decreto instituindo Estado de Defesa, uma preparação para o golpe.
“Eu saí daqui dia 30 de dezembro, porque eu não queria passar a faixa para um cara com um passado como o Lula tem. Não é crime nenhum não passar a faixa. Não está escrito que é proibido não passar a faixa”, defendeu-se da atitude antidemocrática.
O ex-presidente deu grande destaque ao inquérito 1361 de 2018, instaurado para apurar supostas tentativas de fraudar o sistema eletrônico de votação. Até hoje, no entanto, nenhuma investigação, nem mesmo aquela feita pelas Forças Armadas sob Bolsonaro, identificou qualquer vulnerabilidade nas urnas.
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O pronunciamento foi recheado de desinformação. Bolsonaro repetiu, por exemplo, que as urnas são inauditáveis, que houve fraude na eleição de 2018, sugeriu uma trama entre o ministro Edson Fachin com embaixadores em 2022, que o TSE influenciou o pleito contra ele e a favor de Lula, e que rádios deixaram de veicular propaganda eleitoral de Bolsonaro naquele ano. Todas as teses foram ou desmentidas ou nunca provadas.
Três das outras frentes narrativas passaram a se apoiar no posicionamento do ministro Luiz Fux, um dos membros da Primeira Turma do STF a votar no julgamento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). O magistrado tanto afirmou que o colegiado não seria o foro adequado para julgar a questão quanto se mostrou crítico à dosimetria das penas dos presos no 8 de Janeiro, que considerou excessivas.
“Ontem ele (Fux) falou sobre foro. Ele tem razão. Não é meu foro. O Lula foi primeira instância. por que eu sou última instância? Hoje ele falou pena menor para a Débora (...) Não era para ter pena nenhuma no meu entender. Mas dizer que a Débora participou de um complô armado. Que armas?”, declarou Bolsonaro. Logo depois, ele declarou: “Por que (estipularam para os presos do 8 de Janeiro penas de) 14, 17 anos? Porque querem botar 30 (anos de prisão) em mim”.
Fux também fez uma declaração durante a leitura de seu voto que passou a ser compartilhada por bolsonaristas, que viram a oportunidade de enfraquecer o mérito da delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. “Nós temos a jurisprudência de não admitir a denúncia só com base na colaboração premiada. Nove delações representam nenhuma delação, porque a delação tem eficácia quando se verifica se procedem aquelas afirmações em relação ao momento final do processo. Vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade”, declarou o ministro.
O advogado de Bolsonaro, Celso Sanchez Villardi, manifestou sua crítica ao cerceamento da defesa e ao que considera ser dificuldade no acesso às provas e a confidencialidade do processo. “Decisão do STF se cumpre, mas eu acho que há uma certa inovação nessa decisão. Em 34 anos, eu nunca, num recebimento de denúncia, (não tinha tido) a oportunidade de verificar essas mídias (teor de mensagens e arquivos mencionados na investigação)”, disse na saída da primeira sessão, na terça-feira, 25.
Já as críticas à suspeição do julgamento recaem sobre a composição da Primeira Turma. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) expôs o incômodo bolsonarista num discurso no plenário da Câmara na última semana.
“Façam as contas comigo. Um tribunal que tem cinco ministros: um é o Alexandre de Moraes, que ele mesmo julga se ele é parcial ou não. O outro é Flávio Dino, amigo do Lula. O terceiro é ex-advogado do Lula, Zanin. O quarto e o quinta foram indicados pelo PT. Senhores, vocês vão falar para mim que este julgamento é imparcial?”, declarou.
Caroline de Toni (PL-SC), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Luciano Zucco (PL-RS) foram algumas das lideranças que bateram na tecla de que o processo se trataria de uma perseguição contra o ex-presidente. “Nós estamos diante da maior perseguição jurídica e política da história deste País. É um verdadeiro espetáculo televisionado que está mostrando ao mundo que a maior Casa de Justiça no Brasil é na verdade uma Casa política”, declarou a deputada na Câmara.
O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), por sua vez, sugeriram que a inelegibilidade de Bolsonaro e uma eventual condenação por tentativa de golpe seriam parte de um plano para tirá-lo da eleição de 2026, permitindo assim que Lula seja reeleito, segundo essa tese.
Por fim, Bolsonaro usou seu pronunciamento para fazer uma longa defesa de sua gestão (2019-22) e compará-la com a de Lula. O réu aproveitou para difundir uma teoria conspiratória segundo a qual ele está sendo acusado de golpe de Estado por ter acabado “com grande parte desses loteamentos em estatais, ministérios, bancos”, sugerindo ter feito um governo sem corrupção — e ignorando diversas denúncias, como o orçamento secreto, pedidos de propina no MEC e o fato de que ele mesmo ser indiciado pela Polícia Federal por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro no caso das joias sauditas.