No dia em que a Comissão de Cultura da Câmara dos deputados promoveu uma audiência para discutir o projeto que discutia o projeto que inscreve o nome do marinheiro João Cândido Felisberto, o líder da Revolta da Chibata, no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, o comandante da Marinha, almirante Marcos Olsen, enviou uma carta ao presidente do colegiado, o deputado federal Aliel Machado (PV-PR) para explicar por que a Força Naval se opõe à homenagem.
De autoria do então senador Lindbergh Farias (PT-RJ), o projeto foi aprovado pelo senado em 2021 com a oposição da Marinha. Ele recebeu na Câmara o parecer favorável da relatora, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ). Em sua carta, o almirante Olsen afirma que o episódio da Revolta da Chibata “constitui para a Marinha do Brasil, fato de opróbrio da história, cujo estopim se deu pela atuação violenta de abjetos marinheiros que, fendendo hierarquia e disciplina, utilizaram equipamentos militares para chantagear a Nação, disparando, a esmo, os canhões de grosso calibre dos apoderados encouraçados contra a então capital federal e uma população indefesa, ceifando a vida de duas crianças, atingidas no Morro do Castelo”.
A carta do almirante afirma que entre as reivindicações dos revoltosos estavam o aumento de salários, a exclusão de oficiais considerados indignos e o “regime de trabalho menos exigente”. “Notável então, entender que, além do justo pleito pela revogação da prática repulsiva do açoite, buscavam, deliberadamente, vantagens corporativistas e ilegítimas.” De acordo com Olsen, “os castigos físicos levados a cabo nos navios, prática inaceitável, foram reconhecidos como equivocados e indignos e os insurgentes, inclusive, anistiados”.
“Porém, resta notável diferença entre reconhecer um erro e enaltecer um heroísmo infundado. Para o almirante, incluir o nome de Cândido no Livro dos heróis da Pátria seria o mesmo que “transmitir à sociedade e, em particular, aos militares de hoje, a mensagem de que é lícito recorrer às armas que lhe foram confiadas para reivindicar suposto direito individual ou de classe”. Para a Marinha, a atuação de Cândido não foi patriótica nem heroica .
Por fim, o almirante conclui: “Nos dias atuais, enaltecer passagens afamadas pela subversão, ruptura de preceitos constitucionais organizadores e basilares das Forças Armadas e pelo descomedido emprego da violência de militares contra a vida de civis brasileiros é exaltar atributos morais e profissionais, que nada contribuirá ao pleno estabelecimento e manutenção do verdadeiro Estado democrático de Direito.”
A revolta, ocorrida em 1910, nos navios da Armada na baía da Guanabara, atingiu os modernos encouraçados da Marinha. Os amotinados apontaram os navios para o Rio, então capital federal, para obrigar o governo a atender às suas reivindicações, como o fim dos castigos corporais aplicados aos marinheiros a bordo das embarcações.
O governo cedeu. Os castigos cessaram. Os revoltosos se entregaram após seis dias. Eles foram presos e expulsos da Marinha. Em 2008, 39 anos após a morte de Cândido, conhecido como Almirante Negro, o governo anistiou o líder da revolta e outros 600 marinheiros que participaram do movimento.
Desde então, Cândido se tornou herói do Rio de Janeiro, teve uma estátua inaugurada na cidade e virou enredo de escolas de samba, como a do Paraíso do Tuiuti – Glória ao Almirante Negro –, que ficou em 9º lugar neste ano no desfile das escolas do grupo especial do Rio. O Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria é um documento que preserva os nomes da história do Brasil. Ele fica no Panteão da Pátria, em Brasília.
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