BRASÍLIA - O ministro das Comunicações do governo Lula, Juscelino Filho, passou a ser investigado pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República pelo mau uso de dinheiro público. O colegiado também vai apurar as condutas de três assessores do governo Bolsonaro que atuaram para ingressar ilegalmente no Brasil com joias da Arábia Saudita, entre eles o ex-ministro Bento Albuquerque. As duas investigações foram instauradas com base em reportagens do Estadão.
A comissão pode propor ao presidente da República desde advertência, censura pública, suspensão e, até mesmo, a demissão do subordinado. Quando o servidor não está mais no governo, como é o caso dos ex-assessores de Bolsonaro, o colegiado pode impor censura ética. Na prática, funciona como uma mancha no currículo.
Caso seja reconhecida a falta ética, a comissão também pode decidir por enviar o caso para apuração da Controladoria-Geral da União (CGU) ou recomendar a abertura de um procedimento administrativo contra atual ou ex-servidor. Embora seja indicado pelo presidente da República e vinculado a ele, o colegiado atua de forma independente e suas recomendações costumam ser seguidas pelo mandatário.
Cavalos
A investigação envolvendo o ministro de Lula vai averiguar se ele cometeu infração ética ao requisitar em janeiro avião da FAB e diárias para cumprir uma agenda em São Paulo que alegou ser urgente. Dos quatro dias em que ficou na cidade, porém, sua agenda de trabalho durou duas horas e meia. Todo o restante do tempo foi dedicado a compromissos envolvendo cavalos de raça.
O ministro participou de dois leilões de cavalos, recebeu um “Oscar da raça Quarto de Milha” e inaugurou uma praça em homenagem a um dos equinos de seu sócio. Esses compromissos estavam marcados desde novembro e a lista de homenageados no “Oscar” era pública 17 dias antes da viagem oficial para São Paulo. Ao discursar na praça, Juscelino se apresentou como integrante da “equipe do presidente da República” e prometeu internet grátis naquele espaço. “Se a gente está vivendo esse momento, muito foi fruto do cavalo Roxão, que tem proporcionado bons momentos na vida de muitos aqui”, disse ele.
Vinte e quatro horas após a reportagem do Estadão – e quase um mês depois da viagem –, o ministro devolveu R$ 2 mil aos cofres públicos de um total de R$ 3.066 que recebeu de diárias. Ele alegou falhas no sistema. Juscelino não devolveu o dinheiro gasto com o voo, que na iniciativa privada chegaria a R$ 150 mil para ida e volta no trecho Brasília-São Paulo.
Por causa do episódio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu duas entrevistas nas quais ameaçou demitir o ministro se ele não desse explicações. O petista se rendeu ao União Brasil, contudo, e manteve seu subordinado. O partido de Juscelino, com 59 deputados, ameaçou retaliar o governo no Congresso se perdesse o posto.
O Estadão revelou hoje que empregados particulares dos ministros são pagos pela Câmara. Ele, que é deputado federal licenciado, contratou seu piloto de avião e o gerente do haras onde guarda seus cavalos. Todos seguem empregados pelo suplente de Juscelino, deputado Dr. Benjamim (União Brasil-MA), mesmo trabalhando para o ministro. O governo silenciou sobre o novo escândalo. O suplente admitiu que pode rever as contratações. E o ministro disse não ver ilegalidade.
Joias
A Comissão de Ética Pública, criada no governo Fernando Henrique Cardoso, não tem competência para investigar presidente e ex-presidente da República. Razão pela qual Bolsonaro não é alvo da investigação aberta ontem, embora o Estadão tenha mostrado que ele atuou diretamente para resgatar joias que entraram ilegalmente no Brasil em outubro de 2021. Documento revelado pelo jornal mostra que um militar foi levado até São Paulo para resgatar os diamantes que estão no cofre da Receita “para atender demandas do senhor presidente da República”.
O Estadão apurou que entre os investigados estão o almirante Bento Albuquerque, então ministro de Minas e Energia; o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço direito de Bolsonaro; e Marcos André Soeiro, ex-assessor do ministro.
As joias, avaliadas em R$ 16,5 milhões, estavam com Soeiro quando foram retidas pela Receita no Aeroporto de Guarulhos (SP). Ele viajava acompanhado do ministro quando tentou ingressar no Brasil sem declará-las, o que é ilegal. Na ocasião, como revelou o Estadão, o servidor poderia ter optado por pagar o imposto, mas se recusou. Diante da abordagem, Bento informou aos funcionários da Receita que eram presentes da Arábia Saudita para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. Em entrevista ao jornal, ele retificou a informação. Após o escândalo, passou a dizer que não sabia o que tinha no pacote nem para quem era.
Braço direito de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid é quem assina o despacho que enviou um militar até São Paulo para buscar as joias. Em entrevista ao jornal, Cid revelou que um segundo pacote de diamantes, que estava com o ministro, entrou ilegalmente no País e estava com Bolsonaro. Após a revelação, o Tribunal de Contas da União (TCU) mandou Bolsonaro devolver os bens ao País – o que foi feito.
Ontem, o Estadão revelou a existência de um terceiro pacote de joias, incluindo um relógio Rolex cravejado de diamantes, que está com Bolsonaro.
Troca
A decisão da comissão de investigar um ministro de Lula e três ex-auxiliares de Bolsonaro se deu após o petista destituir, em um ato sem precedentes, três dos sete membros do colegiado. Eles haviam sido indicados no ano passado por Bolsonaro. A composição antiga praticamente ignorou conflitos éticos envolvendo ministros.
O próximo passo agora é ouvir a defesa dos investigados, inclusive com a produção das provas. O colegiado poderá também requisitar os documentos que entender necessários. A legislação estabelece que os trabalhos da Comissão de Ética devem ser desenvolvidos com “celeridade”. Alguns casos, contudo, chegam a demorar anos para serem julgados. Na reunião de hoje, por exemplo, o órgão analisou processos que foram instaurados em 2020 e em 2021. A comissão julga autoridades do alto escalão, como ministros de Estado, secretários de Estado e secretários executivos, além de presidentes e diretores de agências, autarquias e estatais.
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