Comissão de Ética no governo Lula poupa ministros do petista e pune os de Bolsonaro

Cinco bolsonaristas foram punidos pela Comissão de Ética Pública em 2023, enquanto ministros de Lula tiveram seis processos arquivados; colegiado justifica decisão que abonou viagens de Juscelino Filho e puniu as de Ricardo Salles

PUBLICIDADE

Foto do author Tácio Lorran
Atualização:

BRASÍLIA - A Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República aplicou ao longo deste ano oito punições a autoridades de 1º escalão do governo de Jair Bolsonaro (PL). Por outro lado, poupou ministros de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao arquivar seis processos de apuração ética.

PUBLICIDADE

Em um dos casos, o órgão colegiado livrou o atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União), por ter usado uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) para participar de leilões de cavalos de raça em São Paulo, conforme revelou o Estadão. A mesma Comissão de Ética puniu, contudo, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL) por viajar em aviões comerciais com dinheiro público sem agenda oficial. O presidente da Comissão de Ética, Manoel Caetano, justificou que os casos de Juscelino Filho são distintos, embora tratem de viagens.

Em 2023, a Comissão de Ética se reuniu 20 vezes, sendo 13 reuniões ordinárias e outras sete extraordinárias. Levantamento do Estadão analisou todos os processos de apuração ética (PAE) envolvendo autoridades de 1º escalão dos governos Bolsonaro e Lula. No período, 25 decisões foram tomadas. O órgão arquivou 11 ações contra ex-ministros e ex-presidentes de banco da gestão Bolsonaro, mas aplicou oito punições a cinco ex-autoridades. Já entre os ministros de Lula, seis processos envolvendo cinco ministros foram arquivados. Não houve nenhuma punição.

Na prática, é nessas ações que o colegiado investiga as denúncias de desvios éticos do servidor e, a partir daí, decide puni-lo ou não. Caso encontre irregularidades, o órgão pode recomendar a demissão do denunciado, sugerir a abertura de procedimentos administrativos ou aplicar uma censura ética (que funciona como uma mancha no currículo).

Publicidade

Lula escolhe a advogada Marcelise de Miranda Azevedo para a Comissão de Ética Pública da Presidência da República Foto: Ricardo stuckert

No início deste ano, o presidente Lula destituiu, num ato sem precedentes, três dos sete membros da Comissão de Ética que haviam sido indicados em 2022 por Bolsonaro, apesar de terem inicialmente um mandato até 2025. Em troca, nomeou três juristas alinhados à gestão petista. A decisão ocorreu logo após o Estadão revelar que o colegiado havia beneficiado ex-ministros de Bolsonaro.

Entre os lulistas que tiveram processos de apuração ética analisados e, portanto, arquivados, estão os ministros da Educação, Camilo Santana; da Cultura, Margareth Menezes; da Comunicação, Juscelino Filho; e de Minas e Energia, Alexandre Silveira; além da ex-presidente da Caixa Rita Serrano.

O mais emblemático desses casos é justamente o de Juscelino. O político viajou de FAB a São Paulo numa quinta-feira, 26 de janeiro, participou de três curtas reuniões e, a partir do meio dia de sexta, 27, se dedicou a agenda ligada a seu interesse pessoal: a criação de cavalos. Nesses dias, ele recebeu prêmio em um “Oscar” de vaqueiros e inaugurou praça em homenagem a um cavalo do sócio. Juscelino Filho voltou a Brasília apenas na segunda, dia 30. Os voos custaram mais de R$ 130 mil aos cofres públicos.

Ao arquivar por unanimidade o procedimento em 31 de julho, a Comissão de Ética Pública ignorou e, até mesmo, reproduziu falsas afirmações que Juscelino fez para se defender. O ministro das Comunicações alegou em sua defesa ter recebido diárias por um “erro operacional” e disse ter voltado de “carona” nas asas da FAB, mas isso não é verdade.

Publicidade

Juscelino Filho viajou em avião da FAB para comparecer a eventos equestres em São Paulo Foto: Reprodução/ABQM

Uma semana antes de a Comissão de Ética livrar Juscelino, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles fora punido por ter feito uma série de viagens a São Paulo, seu reduto eleitoral, com dinheiro público, sem os devidos registros dos compromissos em sua agenda oficial. Ministro do Meio Ambiente entre janeiro de 2019 e junho de 2021, Salles, que hoje é deputado federal, realizou mais de 130 viagens nacionais. Dessas, 90 foram para São Paulo.

A Comissão de Ética arrasta ainda há seis meses um outro processo contra Juscelino. O órgão colegiado investiga a atuação do sogro do ministro das Comunicações no gabinete do genro em Brasília. Conforme revelou o Estadão, Fernando Fialho, pai da esposa de Juscelino, recebe empresários no Ministério das Comunicações até mesmo quando o genro está fora da capital federal. O sogro, contudo, opera irregularmente, uma vez que não está nomeado na pasta.

No caso dos bolsonaristas julgados pela comissão em 2023, o tipo de punição aplicada foi a censura ética, uma vez que não estão mais no governo e, portanto, não podem ser exonerados, por exemplo. O líder no ranking é o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, com quatro penalidades – todas elas por ofensas publicadas em redes sociais, como ataques às universidades federais, ao educador Paulo Freire e ao povo chinês.

Também foram penalizados o ex-ministro do Turismo Gilson Machado (PL) e os ex-secretários Mario Frias (PL) e Fabio Wajngarten, além de Ricardo Salles.

Publicidade

Comissão de Ética autorizou pagamento de 6 meses de salário a ex-presidente da EBC

PUBLICIDADE

Na última reunião do ano, a Comissão de Ética concedeu ao jornalista Hélio Doyle o direito de receber salário do governo por seis meses. Doyle foi exonerado da presidência da EBC após o Estadão revelar que compartilhou uma publicação que chamava apoiadores de Israel de “idiotas”. A comissão aprovou pedido de quarentena remunerada. Na prática, o jornalista não poderá atuar na iniciativa privada por um semestre, mas será recompensado com a mesma remuneração que recebia na EBC: R$ 34.895,78. “Preenchi o pedido, encaminhei à comissão e fui comunicado da decisão”, afirmou Doyle. Ele ainda disse que fora orientado a procurar a comissão para solicitar o benefício.

Presidente da Comissão de Ética defende decisões em relação a Juscelino e Salles

Procurado, o presidente da Comissão de Ética justificou que, apesar das semelhanças, os processos que envolveram Juscelino Filho e Ricardo Salles têm diferenças que justificaram o arquivamento, no caso do primeiro, e a punição para o segundo.

“Embora tanto o caso do Sr. Min. Juscelino Filho quanto do Sr. Ex-Ministro Ricardo Salles dissessem respeito ao custeio de deslocamento e à concessão de diárias, as situações são bem distintas.(...) Em sua defesa perante a CEP, contudo, a autoridade abordou cada um dos elementos trazidos na denúncia e comprovou que teve compromissos oficiais em São Paulo relacionados a suas responsabilidades como Ministro das Comunicações nos dias 26 e 27 de janeiro”.

Já o caso de Salles, Manoel Caetano disse que a CEP encontrou outros elementos. “A denúncia era a de que a autoridade teria mantido o hábito de viajar com recursos públicos para a capital paulista, onde mantém residência, às quintas ou sextas-feiras, e retornar apenas na segunda. Em sua defesa, o Sr. Ex-Ministro afirmou que as viagens teriam relação com seus deveres funcionais. Todavia, não forneceu prova de suas afirmações, mas apenas reuniu, a título exemplificativo, as capturas de tela do registro de algumas viagens com destino no Portal da Transparência”.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.