A interceptação ilegal do escritório de advocacia que defende o ex-presidente Lula, a divulgação de grampos da Lava Jato e o impedimento do petista à disputa da Presidência em 2018 motivaram o Comitê de Direitos Humanos da ONU a concluir que a força-tarefa da Operação Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro foram parciais na condução das investigações e dos processos.
O colegiado da ONU, que divulga a íntegra da decisão nesta quinta-feira, 28, determinou que o governo brasileiro dê ampla publicidade às conclusões e promova a reparação de danos causados pela Lava Jato a Lula. Na prática, entretanto, a decisão da ONU não deve trazer sanções ao País ou aos integrantes da Lava Jato, mas será usada por Lula e seus aliados para cobrar indenizações na Justiça - uma nova ação popular já foi protocolada ontem por parlamentares petistas. Segundo a decisão, o Brasil tem 180 dias para apresentar à ONU as medidas que tomou para cumprir as determinações. O cumprimento é considerado obrigatório, já que o Brasil é signatário do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e aderiu à jurisdição do Comitê. No entanto, não há como obrigar o governo a executar as medidas. Em 2018, por exemplo, a ONU deferiu uma medida cautelar para permitir que Lula fosse candidato. Mesmo assim, o Tribunal Superior Eleitoral manteve sua inelegibilidade em razão da condenação no caso triplex.
“Embora os Estados tenham o dever de investigar e processar os atos de corrupção e manter a população informada, especialmente em relação a um ex-chefe de Estado, tais ações devem ser conduzidas de forma justa e respeitar as garantias do devido processo legal”, disse o membro do Comitê Arif Bulkan, segundo nota divulgada pela ONU.
A decisão levou em consideração a autorização da interceptação telefônica do escritório de advocacia da defesa do ex-presidente Lula, no âmbito da Operação Alethea, fase da Lava Jato que conduziu coercitivamente o petista para depoimento e cumpriu buscas e apreensões em sua residência.
A argumentação de Moro, à época, era de que as escutas sobre o escritório foram autorizadas porque o número da banca de advocacia estava registrado como referência da empresa de palestras de Lula. A defesa do petista moveu diversos recursos ao longo dos anos em que pedia pela destruição dos áudios. Foram 14 horas de ligações.
A retirada de sigilo de chamadas telefônicas interceptadas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff, em 2016, também foi mencionada pela ONU. Os diálogos foram captados em um período que excedia o autorizado pela decisão que autorizou a quebra.
As conversas foram tornadas públicas pelo ex-juiz. Os grampos mostraram o famoso diálogo em que Dilma sugeria a Lula que enviaria um termo de posse para que ele usasse “em caso de necessidade”. À época, Lula estava sob investigação da Lava Jato.
O comitê também afirma que as "violações processuais tornaram arbitrária a proibição a Lula de concorrer à Presidência e, portanto, em violação de seus direitos políticos, incluindo seu direito de apresentar candidatura a eleições para cargos públicos”.
Defesa
Por meio de nota divulgada à imprensa, o ex-juiz destacou que o relatório é oriundo de um comitê, "não dos órgãos centrais das Nações Unidas", e que "nem mesmo" o colegiado "nega a corrupção na Petrobras ou afirma a inocência de Lula". "Pode-se perceber que suas conclusões foram extraídas da decisão do Supremo Tribunal Federal do ano passado, da 2ª turma da Corte, que anulou as condenações do ex-Presidente Lula. Considero a decisão do STF um grande erro judiciário e que infelizmente influenciou indevidamente o Comitê da ONU. De todo modo, nem mesmo o Comitê nega a corrupção na Petrobras ou afirma a inocência de Lula", afirmou Moro. Ele voltou a negar que tenha promovido "perseguição política": "Vale destacar que a condenação do ex-presidente Lula foi referendada por três instâncias do Judiciário e passou pelo crivo de nove magistrados. Também é possível constatar, no relatório do Comitê da ONU, robustos votos vencidos que não deixam dúvidas de que a minha atuação foi legítima na aplicação da lei, no combate à corrupção e que não houve qualquer tipo de perseguição política".
O ex-presidente comemorou a decisão em suas redes sociais. "Hoje eu estou feliz, a decisão do tribunal da ONU lavou a minha alma. E eu só quero que a imprensa, que divulgou tantas mentiras sobre mim, peça desculpas e admita que foi enganada por Moro e Dallagnol”, afirmou. Na definição do advogado de Lula, Cristiano Zanin, trata-se de uma “decisão histórica". "É uma vitória não só do ex-presidente Lula, mas também àqueles que defendem a Democracia e o Estado de Direito”, afirmou Zanin nesta quinta-feira, 28, durante entrevista coletiva para tratar da decisão em um hotel em São Paulo. O mesmo estabelecimento serviu de palco para o evento em que o ex-presidente selou sua aliança com o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) para as eleições de 2022.
Em abril do ano passado, o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações do ex-presidente Lula nos casos que envolveram o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia - imóveis que receberam reformas da Odebrecht e da OAS. A corte considerou que a Justiça Federal do Paraná não era competente para julgar os processos. Também declarou a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.
Lula e seus aliados também têm obtido indenizações na Justiça em razão da condução da Operação Lava Jato. O Superior Tribunal de Justiça condenou o ex-procurador Deltan Dallagnol a indenizar Lula em R$ 75 mil a título de danos morais em razão da entrevista coletiva em que anunciou a denúncia oferecida contra o petista no caso triplex, com o uso de uma apresentação em Power Point que apontava Lula como chefe de uma organização criminosa.
Neste mês, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinou que a União indenizasse o advogado Roberto Teixeira, que defende Lula, em R$ 50 mil por considerar ilegais os grampos sobre o escritório de advocacia. Comitê Na definição do Centro de Informações das Nações Unidas no Brasil, o Comitê de Direitos Humanos da ONU é "um órgão formado por especialistas independentes que fiscaliza o cumprimento do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e seus protocolos", do qual o Brasil é signatário. O colegiado é composto por 18 especialistas, que se reúnem três vezes por ano, em Genebra.
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