BRASÍLIA - O ministro da Economia, Paulo Guedes, virou alvo de fogo amigo no comitê do presidente Jair Bolsonaro. Nas reuniões de coordenação da campanha, em Brasília, Guedes é responsabilizado pelo cenário desfavorável e pela estagnação do presidente em pesquisas de intenção de voto.
A queixa já existia, mas se ampliou. Auxiliares do presidente confidenciam, reservadamente, que o titular da Economia “mais atrapalha do que ajuda” a campanha. Na avaliação de aliados de Bolsonaro, Guedes abriu flancos, nas últimas semanas, para que adversários agissem contra Bolsonaro.
A campanha passou a lidar com uma onda negativa de notícias econômicas depois que o governo enviou ao Congresso a proposta de Lei Orçamentária Anual de 2023. Com a peça, Guedes municiou a oposição com o corte de 60% dos recursos do programa Farmácia Popular, para beneficiar o direcionamento de verbas ao orçamento secreto, como revelou o Estadão. A redução de R$ 1,2 bilhão afetará a distribuição de ao menos 13 medicamentos de asma, diabetes, hipertensão e até fraldas geriátricas.
Sob pressão, o próprio Guedes veio a público para dizer que, após a eleição, o presidente enviará ao Congresso uma mensagem para “reelaborar” o orçamento. O ministro disse que o orçamento secreto “comprime gastos dos ministérios e, acidentalmente, pode ter um desencaixe”.
O total de recursos para os medicamentos caiu de R$ 2,04 bilhões no Orçamento de 2022 para R$ 804 milhões no projeto de 2023, enviado ao Congresso em 31 de agosto. Um corte de R$ 1,2 bilhão. Para o orçamento secreto, foram reservados R$ 19,4 bilhões.
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O orçamento elaborado pela equipe de Guedes previu recursos para pagamento de R$ 400 no Auxílio Brasil, a partir do ano que vem, em vez dos R$ 600 propagandeados pela campanha bolsonarista. Tanto Bolsonaro quanto Guedes dizem que os recursos estão garantidos, seja por meio de um decreto de calamidade ou pela taxação de grandes fortunas. Mas a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a explorar que a promessa de Bolsonaro não é confiável, porque prometeu uma coisa (R$ 600) e fez outra (R$ 400).
Também entrou na conta do ministro a escassez de recursos para a merenda escolar, escancarada por atitudes como professores que carimbam crianças para não repetirem a refeição e escolas nas quais quatro estudantes repartem apenas um ovo. Como mostrou o Estadão , os repasses federais ao Programa Nacional de Alimentação Escolar não são reajustados desde 2017 e Bolsonaro vetou a correção dos valores pela inflação. O governo repassa somente R$ 1,07 por aluno em creche, R$ 0,53 em pré-escola e R$ 0,36 nos ensinos fundamental e médio.
Há queixas de que Guedes não conseguiu resolver a inflação nos alimentos, por exemplo, enquanto dados mostram o avanço da fome do País. A economia é ainda o maior obstáculo para a reeleição do presidente, na avaliação de integrantes do núcleo de coordenação da campanha.
Bolsonaro enfrenta dificuldades eleitorais justamente na parcela mais pobre da população, que depende de programas sociais. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera, em pesquisas de diferentes institutos, as intenções devoto de pessoas que ganham até dois salários mínimos.
Dados da pesquisa da Quaest/Genial Investimentos, divulgados nesta quarta-feira, dia 20, mostram que 75% dos eleitores não perceberam redução do preço dos alimentos, em contraposição à queda nos combustíveis, notada por 81%. Na energia elétrica, 50% não viram impacto. Além disso, 59% dos eleitores consideram que as medidas econômicas do governo têm como objetivo ajudar a eleição de Bolsonaro, enquanto 36% acham que o motivo seria melhorar a condição de vida das pessoas.
Para integrantes do comitê, os cortes impactaram a capacidade de Bolsonaro tirar proveito político do pacote de benefícios injetados pelo governo de forma inédita, às vésperas da campanha, com aval do Congresso.
Ala política entende que os benefícios chegaram tarde demais e reconhece que o retorno eleitoral foi para Lula, como indicam as pesquisas. Ministros do Centrão contava com série de benesses concedidas pelo governo durante a campanha, garantidos somente até o fim do ano, como trunfo para alavancar Bolsonaro. O pacote teve aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, aumento do vale-gás, pagamento de ajuda de R$ 1 mil a caminhoneiros e taxistas e gratuidade para idosos no transporte coletivo.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, defendia que o benefício tivesse chegado a R$ 800. Integrantes da campanha lembram que Guedes chegou a anunciar o auxílio emergencial, pago durante os meses de pandemia em 2020, em somente R$ 200. O valor subiu por negociação política no Congresso.
O Ministério da Economia não quis se manifestar sobre as críticas. Guedes já afirmou que a responsabilidade pelos cortes não é sua, mas da Casa Civil. “Ministro da Economia não corta nada. Quem corta é a Casa Civil”, disse quando questionado sobre o impacto no programa Farmácia Popular, apontando diretamente para o ministro Ciro Nogueira (Progressistas), um dos mais influentes na campanha e com poder sobre o orçamento. Integrantes da equipe do ministro dizem que os acordos políticos não foram de Guedes. O corte linear de 60% dos gastos ocorreu para acomodar no Orçamento do ano que vem a previsão de R$ 19,4 bilhões em emendas do orçamento secreto, controlado pelos aliados de Bolsonaro no Centrão, conforme havia sido previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Bolsonaro optou por não vetar essa reserva.
Apesar da insatisfação interna na campanha, os principais trunfos que estrelam as propagandas de Bolsonaro na TV, rádio e nas redes são da área econômica: recuo no desemprego para 9,1%, menor taxa em sete anos, projeções de crescimento do Produto Interno Bruto, que atingiu 1,2% no segundo trimestre, a deflação nos últimos dois meses e as baixas no preço de combustíveis e energia. Sobre o valor de R$ 600 do auxílio social, que não surtiu o efeito político esperado e favoreceu Lula, os aliados do ministro dizem que foi definido dentro de critérios para respeitar a responsabilidade fiscal.
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