O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou nesta quarta-feira, 10, as condenações do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Eles haviam sido denunciados pela Operação Lava Jato pelo suposto recebimento de caixa dois para o PT nas eleições de 2010. Na avaliação do ministro, o processo deveria ter tramitado na Justiça Eleitoral do Distrito Federal, e não na 13ª Vara Federal de Curitiba.
A anulação das condenações é mais um revés para força-tarefa que, no seu auge, foi considerada a maior mobilização judicial do País contra políticos suspeitos de desvios de recursos públicos. Em 2024, a operação vai completar dez anos de existência em frangalhos.
Sobretudo nos últimos anos, a Lava Jato acumula revezes às decisões de primeira instância e muitos acusados vêm obtendo vitórias nas Cortes superiores, como os Tribunais Regionais Federais (TRFs) e o STF.
As absolvições, muitas vezes, se valem de questões processuais e não versam necessariamente sobre o mérito da denúncia. Se a tipificação do crime estiver incorreta, o processo é anulado. Da mesma forma, se as provas que baseiam determinada sentença forem anuladas, o processo conseguinte deixa de ser válido.
Confira, a seguir, os casos de condenações na Operação Lava Jato que acabaram anuladas pelas instâncias superiores.
José Dirceu
José Dirceu, ministro da Casa Civil no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi absolvido, em dezembro de 2023, de uma ação penal da Operação Lava Jato que se arrastava desde 2017. Ele havia sido acusado pela força-tarefa de lavar recursos supostamente obtidos por meio de propina das empreiteiras UTC e Engevix.
O juiz federal Fábio Nunes de Martino, que assumiu a 13ª Vara Federal de Curitiba no ano passado, concluiu que o Ministério Público Federal (MPF) errou na tipificação dos crimes. Segundo o magistrado, o que os procuradores apontam como lavagem de dinheiro é, na verdade, corrupção. Diante disso, a acusação a Dirceu foi anulada.
Luiz Fernando Pezão
A Justiça Federal no Rio de Janeiro reformou, em abril, a sentença do juiz Marcelo Bretas e absolveu Luiz Fernando Pezão, ex-governador do Estado, das acusações de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. As denúncias estavam no bojo do braço fluminense da Lava Jato.
Sérgio Cabral
O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral foi denunciado em 35 investigações da Lava Jato. Dessas, ele já foi condenado em 23 ações e, somadas, as penas chegam aos 430 anos de prisão. Os processos, no entanto, ainda aguardam apreciação em instâncias superiores e podem ser revertidos.
Entre as ações, está uma acusação sobre suposta negociação de propina entre o ex-governador e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Em maio de 2023, o juiz Eduardo Appio, então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, considerou os autos da Operação Spoofing e, decretada a “parcialidade” de Sérgio Moro na ação que levou à condenação de Cabral, anulou o caso.
André Vargas
O ex-deputado federal André Vargas foi o primeiro político condenado pela Lava Jato. Em setembro de 2015, o ex-juiz Sérgio Moro condenou Vargas pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Somadas, as penas passavam dos 15 anos de prisão.
Em 2023, com relatoria do ministro Cristiano Zanin, o STF anulou a condenação de Vargas por razões processuais, baseando-se em uma resolução anterior do colegiado. A Corte havia decidido que a 13ª Vara Federal de Curitiba só podia julgar e condenar atos ilícitos no âmbito da Petrobras, tornando improcedente a condenação de André Vargas naquele local.
Eduardo Cunha
Um dos maiores revezes da história da Lava Jato tem origem num inquérito que acusava Eduardo Paes (PSD), atual prefeito do Rio de Janeiro, de lavagem de dinheiro e caixa dois durante a campanha. Em 2019, a questão chegou ao STF, que decidiu sobre a competência da Justiça para julgar crimes de corrupção ocorridos durante a campanha e a prática de caixa dois.
No jargão jurídico, a “competência” diz respeito ao tribunal adequado para julgar um determinado tipo de situação. Em decisão que gerou um “efeito cascata” desastroso para a força-tarefa, a Suprema Corte decidiu, em 2019, que a prática de caixa dois delega à Justiça Eleitoral a investigação por suspeita de corrupção. Dessa forma, a Justiça Federal foi demovida de todas as acusações do gênero. Esse é também o entendimento que baseia as absolvições de Vaccari Neto, João Santana e Mônica Moura.
O “efeito cascata” abriu margem para a anulação do processo de Eduardo Cunha, que havia sido condenado a 15 anos de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Cunha foi julgado pela 13ª Vara Federal de Curitiba, mas o STF foi acionado para julgar a competência do caso. Em maio de 2023, por 3 votos a 2, a Segunda Turma da Corte entendeu que, na verdade, o ex-presidente da Câmara dos Deputados deveria ter sido processado na Justiça Eleitoral.
Beto Richa
O ministro do STF Dias Toffoli determinou em 2019 a “nulidade absoluta” de todos os atos praticados pela Lava Jato sobre o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), atualmente deputado federal. A decisão do ministro acatou um pedido da defesa de Richa que alegava vícios processuais por parte dos procuradores e do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Segundo os advogados do deputado, e assim entendido por Toffoli, os procuradores Deltan Dallagnol e Diogo Castor de Mattos haviam agido de forma “parcial”, assim como Sérgio Moro.
Outros casos
A primeira sentença da Lava Jato anulada pelo STF foi a de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras. A decisão foi da Segunda Turma do STF, por 3 votos a 1, em agosto de 2019. A razão foi processual: como Bendine era alvo da acusação, cabia a ele o direito de ser o último a se manifestar no processo. No entanto, ele havia sido obrigado a entregar o seu memorial ao mesmo tempo que os delatores.
Em fevereiro de 2022, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu o ex-senador Gim Angello das acusações da Lava Jato, em mais uma anulação pelo fato de que a competência para os eventuais crimes praticados pelo político seriam da Justiça Eleitoral, e não Federal.
Um ano depois, em março de 2023, STJ anulou outra condenação da Lava Jato pelo critério da competência. O favorecido com a decisão foi Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT.
O caso mais célebre de condenação anulada é a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em abril de 2021, por 8 votos a 3, o plenário do STF selou que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era competente para avaliar as ações penais do petista. Com isso, todas as condenações contra ele foram decretadas nulas.
Além de condenações, provas foram anuladas
A anulação de condenações, em boa parte dos casos, ocorre por vícios ou desvios processuais. Um trâmite judicial pode ser declarado nulo se constatado que as provas que o originaram não são válidas. Por decisão do ministro do STF Dias Toffoli, foram declaradas nulas as provas obtidas por meio do acordo de leniência da Odebrecht, entre as quais estavam os relatórios de contabilidade do que ficou conhecido como o “setor de propinas” da empreiteira.
A decisão de Toffoli pode afetar, em cascata, inúmeros processos julgados em Curitiba com base no acordo da Odebrecht. Em dezembro de 2023, o ministro anulou também a multa do acordo de leniência do grupo J&F, derivado de investigações da Lava Jato.
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